
Como um versículo bíblico despertou em mim o ideal de comunhão e justiça
Quando eu era coroinha, ainda um piá em Londrina, minha vida girava ao redor da Igreja Nossa Senhora da Paz. Eu morava na Rua Amapá, bem pertinho da Igreja que era na Rua Duque de Caxias. Fui coroinha, presidente da Cruzada Eucarística. Havia algo de mágico naquele altar, nos paramentos do padre Albino, no cheiro do incenso subindo em espirais discretas até tocar o alto da nave. Mas o que me fascinava mesmo era a Bíblia que o padre me deu—um presente sagrado que eu carregava para todo lado, folheando suas páginas com a vontade de devorar cada palavra.
Entre tantos versículos e histórias, um capítulo se cravou em minha alma para sempre: Atos dos Apóstolos 4:32.
“Da multidão dos que criam, era um só o coração e uma só a alma, e ninguém dizia que coisa alguma das que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns.”
Aquilo me soava perfeito—um ideal de comunidade, de partilha, de amor desinteressado. O que poderia ser mais belo do que um mundo onde ninguém passasse necessidade porque tudo era de todos?
Na época, eu ainda não sabia dar nome aos sentimentos nem compreender as implicações do que me tocava tão fundo. Mas, aos 18 anos, quando enfim me deparei com o pensamento comunista, senti um estalo, uma revelação. Eu já conhecia aqueles valores, já os carregava comigo desde os tempos de coroinha. A comunhão, a fraternidade, a partilha… tudo estava ali, naqueles versículos antigos que haviam se enraizado no meu peito.
Minha fé nunca foi embora—só se transformou em fé nas ações, e, com isso, meu olhar mudou. Descobri que a essência do que eu acreditava não estava só nas paredes da igreja, mas também no mundo, nas pessoas, nos gestos. Encontrei uma força maior nas lutas por justiça, nas mãos estendidas, nos olhos que brilhavam por um sonho coletivo. Aquelas palavras me ensinaram o amor ao próximo; a consciência política me mostrou que esse amor precisava se tornar ação.
Ainda hoje, quando o mundo me parece frio e dividido, volto àquele trecho dos Atos dos Apóstolos. Fecho os olhos e lembro do menino que fui, ajoelhado diante do altar, com a Bíblia aberta e o coração repleto de perguntas. E percebo que, no fundo, a resposta sempre esteve lá: um só coração, uma só alma, tudo em comum. Um sonho possível, ainda que distante, mas que vale cada luta e cada passo na caminhada.
Cláudio Ribeiro
Jornalista – Compositor
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