A pesquisa do mestrando Joel Pantoja da Silva ainda está em análise, mas já pode-se dizer que o estudo abre novas perspectivas para se repensar academicamente a presença da memória indígena de matrizes Tupi na Amazônia paraense, no arquipélago do Marajó, depois de séculos de dizimação dessas etnias.
Desde 2011, Joel Silva mergulha na margem do rio Tajapuru, nas localidades de Santa Rosa, Porto Capinal, São Miguel e São Francisco, em pesquisa de campo sobre as narrativas orais dos moradores. O resultado é o estudo, de nome “Muito além da cerâmica marajoara”, o qual revela a atualização da memória Tupi nessa região e contribui para o campo teórico da Análise do Discurso na Amazônia paraense e, se não bastasse, provoca também novas reflexões sobre os estudos com temáticas indígenas marajoaras.
CRIANDO A NOITE
Em uma das histórias registradas, há uma jovem que, para se livrar da perseguição de um monstro que queria devorá-la, joga o carvão na floresta e faz surgir a noite. “A criação da noite é uma das narrativas orais mais recorrentes entre sociedades de tradição Tupi. Couto de Magalhães fez um dos primeiros registros desta história, em Língua Geral Amazônica, em O Selvagem (1940). Nos trabalhos de Betty Mindlin (1999) e Ivânia Neves (2009) também encontramos histórias semelhantes’’, conta o mestrando.
Joel acredita que em pleno século 21 onde se vive um processo veloz de incorporação dos meios de comunicação, ainda é possível falar de uma memória Tupi presente, real. Por outro lado, diz ele, a pesquisa colabora para, em parte, tirar do silêncio, no campo da historiografia contemporânea, o que se viveu nas remotas sociedades indígenas de matrizes Tupi, onde pouco e poucos sabem que a estabilização da conquista do ocidente marajoara aconteceu ali, naquela região.
“O meu objetivo é mostrar como estas narrativas, com suas dispersões e regularidades dialogam com uma memória Tupi, que encontrou formas de resistências e ainda hoje está presente na história do presente de sociedades marajoaras”, afirma o acadêmico.
Em meio à investigação nas localidades marajoaras, Joel Silva, destaca o morador Miguel Vila Real, da vila de Nazaré, na comunidade São Francisco. Ele conta que antes mesmo de Miguel começar a narrar suas histórias, conforme combinado previamente com o mestrando, o traje do morador chamou sua atenção.
“Miguel estava com uma camisa de cor amarela, no centro o nome ‘Brasil’. Isso, para mim, sinaliza uma leitura para além de uma camisa de torcedor da seleção brasileira. Ela comunica e anuncia o sentimento de estar na Amazônia paraense e pertencer ao Brasil. A breve apresentação das narrativas dentre as quais citamos ‘A criação da noite’ inscrevia, naquele momento, a memória Tupi no arquipélago marajoara, especialmente, do Marajó das Florestas para o Brasil. Essa experiência de entrevistá-lo foi muito relevante porque a hipótese levantada sobre a presença de uma memória Tupi nas narrativas orais da região começava a se confirmar’’, conclui Joel Silva.
Populações exterminadas vivem na cultura incorporada
De acordo com o mestrando Joel Pantoja da Silva, a hipótese mais aceita sobre as sociedades indígenas no arquipélago do Marajó, na Amazônia paraense, é a de que desde o século XVII elas foram totalmente exterminadas. Como foram dizimados na condição de sociedades organizadas, ignora-se que uma grande parte desses indígenas foi assimilada pela população humilde da região, e que, portanto, passou a constituir os processos de diferentes identidades que atravessaram, desde então, as sociedades que construíram suas histórias no local.
Em sua tese de doutoramento sobre a temática “Narrativas Orais Tupi e a Invenção do Índio”, defendida na Universidade de Campinas (Unicamp) em 2009, a coordenadora do Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura, professora Ivânia dos Santos Neves, mostra que esta incorporação, ainda que seja silenciada pela história oficial da colonização, aconteceu em muitas cidades brasileiras. A professora Ivânia orienta Joel no mestrado.
CURSO
De 19 a 24 deste mês, o Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura promoverá o curso “Michel Foucaut: discurso, poder, identidades”, com a professora livre docente Maria do Rosário de Fátima Gregolim, autora do livro “Foucalt e Pêcheux na Análise do Discurso – Diálogos e Duelos”. Fátima é pesquisadora docente do Departamento de Linguística da UNESP-Araraquara, coordenadora acadêmica do Doutorado Interinstitucional UNESP/UFMA e coordenadora do PROCAD UNESP/UFAC. O curso acontecerá no campus Unama Alcindo Cacela com carga horária de 20 horas, aberto a universitários, professores e profissionais interessados na temática. As inscrições terminam no dia 16 de abril no portal da Unama.
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