CULTURA – Música (assista aqui) para pensar Portugal e Brasil pós Revolução dos Cravos

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Os gelados dias do mês de abril, primavera em Portugal, ajudam a perceber a importância que tem para os portugueses o 25 de abril, registrado no calendário como o Dia da Liberdade, estabelecido há 40 anos, em 1974. É a data da Revolução dos Cravos, o grito de basta contra a ditadura de Antônio Salazar, mantida no País por quase 50 anos, apesar da doença e morte do ditador, em 1970.

 

Por Washington José de Souza Filho*

 

 

Por diversos motivos, mas sem o mesmo sentido daquele dia, os portugueses ainda saem às ruas nesta data. Há, por certo, um sentimento do que poderia ter sido o País, com o fim da ditadura, estabelecida pela ação de militares portugueses, predominantemente, do Exército. É uma evocação, destacada, principalmente, através de diversas publicações, lançadas ao mercado neste momento.

 

Uma boa parte é reedição – como Alvorada de Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante operacional da ação dos militares, major à época. A nova edição é numerada, um total de 1974 exemplares – uma óbvia referência ao ano da Revolução. O que comprei tem o número 923. Os livros ajudam a encontrar uma referência que é uma marca da Revolução dos Cravos, a música. Uma delas é especifica sobre a música, e os seus autores: Os cantores de abril, editada, pela primeira vez, em 2000, à venda neste 25 de abril, na compra de um exemplar de Público, jornal portugês.

 

Entre as reedições publicadas, uma é o livro Livra-te do medo. Uma biografia do músico Zeca Afonso, de autoria do jornalista José A.Salvador. Zeca Afonso é o autor de Grândola,vila morena – -, a música-senha para o início da ação dos militares – gravada no disco Cantigas de Maio, de 1971.

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A música, na verdade, serviu como uma segunda senha, para que as tropas fossem para as ruas. E, reconhecidamente, um hino à libertação, para os portugueses.

 

Para não despertar a reação dos que ainda apoiavam o regime português, a opção escolhida pelos militares para anunciar o início da movimentação foi outra música – E depois do adeus, de Paulo de Carvalho.

 

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Uma canção que está memória dos portugueses que relembram os detalhes da noite que antecedeu a triunfal ação, dias depois de uma tentativa frustrada na região de Lisboa. Mas é a música de Zeca Afonso a que é reconhecida como a lembrança de um momento da história de um povo.

 

O livro sobre Zeca Afonso, morto em 1989, é uma revelação sobre a obra de um artista, que foi transformado em símbolo da revolução portuguesa, e a vida do compositor. Uma novidade para quem não conhece a sua história é o compromisso que ele manteve com o processo político, envolvido em ações coletivas, em que a música foi utilizada como instrumento de militância. O que é definido pelos portugueses como música de intervenção. Vinte e cinco de abril, sempre. Mais do que uma saudação, era um compromisso.

 

A referência sobre música aparece em outro livro, da historiadora Raquel Varela – História do povo na Revolução portuguesa: 1974-1975 -, no qual é descrita a participação popular no período entre a mobilização dos militares e o fim de um sonho, de Abril de 74 a Novembro de 75. O marco final é o momento em que a Revolução dos Cravos sofre uma guinada, e é conduzida pelos os que combatiam a ideia de que “Portugal pudesse ser a Cuba da Europa”. O povo, então, deixou as ruas.

 

O destaque que a música ganha no livro, saudado como uma pesquisa de valor e importância para a história de Portugal, é o que permite usar as referências que tem uma canção para a avaliação de fatos políticos. A música citada pela historiadora é Tanto mar, de Chico Buarque.

 

É uma composição influenciada, diretamente, pelos fatos ocorridos em Portugal, em 74.

 

Os seus versos – Sei que estás em festa, pá / Fico contente/ E enquanto estou ausente/ Guarda um cravo para mim – representam a expectativa de uma transformação que, no Brasil, ainda estava por vir. Muitas léguas a separar.

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As duas músicas destacam circunstâncias diferentes da resistência política em Portugal e no Brasil. Uma – Grândola, vila morena – indicava a força de quem precisava da mudança – Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade / O povo é que mais ordena/ Dentro de ti, ó cidade. Portugal ainda vivia a pressão da ditadura e a música era considerada “um incentivo ao comunismo”. Tanto mar representava a chance de ver florescer a esperança – Lá faz primavera, pá / Cá estou doente/ Manda urgentemente/ Algum cheirinho de alecrim.

 

A música de Chico Buarque, proibida no Brasil, ganhou eco em Portugal. Era cantada como uma forma de apoio aos brasileiros que estavam na luta em direção ao caminho português. A mudança, a partir de novembro de 75, do processo em Portugal tem ressonância com a caminhada que é feita nas terras brasileiras. Tanto mar, finalmente, liberada ganha uma segunda versão – com uma alteração das duas primeiras partes:

 

 

– Foi bonita a festa, pá/ Fiquei contente/E inda guardo, renitente/Um velho cravo para mim./

Já murcharam tua festa, pá/Mas certamente/Esqueceram uma semente/Nalgum canto do jardim.

 

A música Grândola, vila morena ainda é cantada, como uma crítica ao rumo das coisas no País, uma consequência da crise econômica em Portugal. Ela serve como um termômetro da indignação do povo português. É uma música que tem a sua própria história. Ela foi composta há 50 anos, dez anos antes da Revolução dos Cravos, depois de uma apresentação de Zeca Afonso em Grândola, na região do Alentejo.

 

Eram os sinais de outros tempos. Lições que ficaram, e podem ser compreendidas através dos versos que revelavam o desejo da transformação, mas indicavam que a verdadeira conquista depende de esforço e mobilização, mas não prescinde da capacidade de estabelecer a sua força no jogo político.

 

*Jornalista, professor da Faculdade de Comunicação (UFBA), cursa doutorado na Universidade da Beira Interior, em Covilhã, Serra da Estrela, Portugal.

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