Cultura da violência
As pequenas violências de cada dia
A disseminação da violência na sociedade está ligada diretamente a uma cultura própria, que estimula e ratifica atos violentos como algo “natural”. Elementos como individualismo, consumismo e competição exacerbada, entre outros, criaram um padrão de relacionamento entre as pessoas que coloca em xeque, por exemplo, características como a cordialidade e a solidariedade. A agressividade deixou de ser um “defeito” para virar “traço comum” entre os habitantes das grandes cidades. Todos estão prontos para atacar antes que o “inimigo” o faça.
Tráfico, homicídios, assaltos, extermínio de crianças e adolescentes são os efeitos mais visíveis do quadro de disseminação e banalização de atos violentos. Manifestações mais sutis da cultura da violência aparecem em todas as classes sociais. Os jovens de áreas carentes já não se assustam com as brigas nos bailes, adolescentes de classe média usam artes marciais para agredir rivais nos bares e boates da moda. Os argumentos dos garotos pobres e ricos se assemelham: disputa pelo “controle de territórios”, acirramento de rivalidades (entre colégios, academias, times de futebol, por exemplo) ou até mesmo o simples “prazer” de demonstrar força e poder.
Em uma sociedade que valoriza “o forte”, “o vitorioso” e “o competitivo”, cria-se uma lógica em que conceitos como solidariedade, utopia e participação coletiva perdem importância. Vencer a qualquer custo se transformou em lema para a juventude. Neste contexto, a publicidade tem um papel importante. Ela destaca a idéia que para “ser” é preciso “ter”. O estímulo ao consumismo reforça o individualismo; o “outro” perde a qualidade de companheiro e adquire a de rival. Os referenciais éticos desaparecem no desenrolar dessa batalha.
Historicamente, a sociedade convive com a violência. Crimes hediondos ocorreram ao longo dos séculos em todas as civilizações e se repetem até os dias atuais. Porém, hoje, assusta a sensação de que certos atos violentos não são “tão violentos assim”. Preconceitos, social ou de raça, por exemplo, ainda são tolerados por muitos. Para estes, a violência se expressa apenas através de situações graves, tais como assassinatos, roubos, seqüestros, guerra entre quadrilhas pelo controle do tráfico de drogas. Os pequenos atos violentos do cotidiano, cometidos muitas vezes involuntariamente, passam despercebidos. Foram banalizados pela cultura da violência.
Para a educadora Vera Candau, a cultura da violência só perderá força quando houver transformações profundas em toda a sociedade.
– Não se pode acabar com a cultura da violência sem que surja algo em seu lugar. Precisamos resgatar sentimentos que hoje são tidos como ultrapassados ou fora de moda. Cordialidade, solidariedade e preocupação com o próximo não podem desaparecer. É necessário resgatar a importância da utopia, seja ela qual for. O que se vê hoje, e a cultura da violência se aproveita disso, é a falta de utopias. Tudo é muito individual. Eu falo, eu quero, eu penso, eu tenho, eu sou… Quando o “eu” for substituído pelo “nós”, com certeza veremos a cultura da violência perder força. Uma sociedade que pensa o coletivo consegue eliminar fatores que banalizam a violência – ressalta Vera.