Criativo como?

creative-commons-imageCreative Commons é uma ferramenta sensacional. Os autores e artistas profissionais ganham autonomia e reduzem a burocracia no momento de licenciar suas obras, dosando o quanto estão dispostos a abrir mão dos possíveis ganhos provindos de sua exploração comercial e quanto preferem garantir seus ganhos futuros, de acordo com as possibilidades de circulação e compartilhamento, sobretudo no ambiente cibernético.

 

É um facilitador, um atalho entre o autor e a confusa e complexa legislação de propriedade intelectual, que atola e complica a vida de qualquer autor. O CC trabalha com a legislação vigente, que já prevê e dá autonomia ao detentor da obra criativa para definir o percurso de sua obra.

 

Mas o Creative Commons é muito mais útil ao amador, pois facilita o licenciamento para uso que o autor desejar, de maneira fácil e rápida, permitindo a livre circulação de obras e ajudando a tornar esse autor conhecido e até, quem sabe, se profisisonalizar.

 

Devo confessar que sem o Creative Commons seria mais difícil e trabalhoso editar este Cultura e Mercado (e tantos outros similares da blogosfera), já que a maioria dos textos e imagens aqui utilizados são generosamente cedidos, a partir dessa licença, para a nossa atividade, que é de utilidade pública e sem fins lucrativos.

 

Não há nada no CC que eu já não pudesse fazer antes (Cultura e Mercado era e continua sendo copyleft). Os leitores mais antigos do site (antes de 2001, quando ainda chamava-se Canal Pensarte) devem lembrar que publicamos por um bom tempo as deliciosas ilustrações do Gomes de Souza (a de hoje é uma justa homenagem a ele). A diferença é que hoje consigo reconhecer, identificar e me relacionar com inúmeros artistas (amadores e profissionais) com a mesma generosidade do Gomes em redes e sites de trocas de conteúdo, como o Flickr, o mais utilizado por nós atualmente. E o Creative Commons tem relação direta com isso.

 

A apologia da livre circulação de conhecimento associada ao Creative Commons, no entanto, é algo que preocupa os autores e artistas que conseguem (sobre)viver de sua obra criativa. E com razão. A ideia de que o conhecimento não pertence a ninguém (e por isso não pode ser cobrado) carrega implicitamente uma ideia interessante, mas não necessariamente verdadeira, de que todos somos capazes de criar uma obra de arte. Isso faz do artista um cidadão comum, mas não faz do cidadão comum um artista.

 

A despeito de todas as maravilhas que o CC pode nos proporcionar num mundo de redes e telas, ainda me preocupa (essa é uma preocupação real e cotidiana pra mim, não só como editor de um site que se coloca no lugar dos artistas, mas também como alguém que vive exclusivamente de produção artístico-intelectual) o futuro dos criadores e das criações na grande geleia geral.

 

Sem garantias sociais de um ambiente propício à criação, o que está em risco é o futuro, as utopias, os sonhos e projeções por melhores dias. No fundo, o que nos guia e nos define como seres socias e “civilizados”. E o direito autoral ainda é uma dessas garantias. Enquanto não inventarem outra maneira de remunerar o trabalho do artista (eu ainda não consegui pensar em outra), continuo mantendo o pé nesse que é o direito cultural mais antigo, garantia constitucional e parte integrante da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fundamental, não somente ao autor, mas à toda sociedade.

 

Há um outro elemento no contexto do direito autoral que torna a discussão mais sensível, sobretudo aos músicos e compositores. O sistema de arrecadação de direitos capitaneado pelo ECAD é considerado retrógrado e anti-democrático por quase todos (dos que são cobrados aos que deveriam receber os frutos da arrecadação), pois concentra poder e busca punir (frequentemente com abuso) em vez de educar e estimular o consumo cultural.

 

Ana de Hollanda agiu por impulso, de maneira precipitada, mas não necessariamente agiu errado. A condução do processo de alteração da lei do direito autoral foi dominado por um discurso de confronto com o artista, apontado como usurário. A tese de que o direito autoral contraria o interesse público para favorecer uns poucos privilegiados ganhou corpo nos movimentos sociais, sobretudo os de cultura digital.

 

O movimento da nova ministra é simbólico. Vamos zerar a conversa e colocar todos os interessados na mesa, sobretudo os autores e artistas que dependem dessa fonte de renda para sobreviver, rechaçados até então do debate. E também a indústria cultural, que é uma legítima interessada na discussão.

 

A Casa Civil acaba de devolver à Ministra Ana de Hollanda o projeto de lei preparado pela gestão anterior para alterar o direito autoral no Brasil. Fontes do governo relatam que o projeto foi encaminhado ao Palácio do Planalto sem considerar as contribuições da consulta pública, trabalho que ficará a cargo da nova Ministra.

 

Por aqui, torcemos por um diálogo amplo e democrático. E que as partes envolvidas se manifestem de maneira franca, aberta e generosa, pois a atualização da lei é necessária, sobretudo no campo da convergência digital, coisa que o PL ainda não abarcou com a profundidade necessária.

Leonardo Brant

Cultura e Mercado

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