Cota de Tela amplia a diversidade e fortalece o cinema brasileiro

 

Senado aprova projeto que estabelece cota de tela para filmes nacionais até 2033, marcando um avanço significativo; aprovação da medida é celebrada pelo setor

O Senado aprovou nesta terça-feira (19) o projeto de lei (PL 5.497/2019) que estabelece uma cota para a exibição de filmes nacionais nos cinemas até 2033. A medida, considerada um dos principais mecanismos para a reconfiguração do setor audiovisual brasileiro, visa garantir acesso da população à produção nacional e assegurar espaços de exibição para o cinema brasileiro.

A chamada “cota de tela” tinha acabado em 2021, quando expirou o prazo de 20 anos previsto pela Medida Provisória (MP) 2.228-1/2001. O senador Humberto Costa (PT-PE) foi o relator do projeto que segue agora para sanção presidencial.

Conceito de cota de tela

O conceito de “cota de tela” foi explicado pelo secretário da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), Caio Plessmann de Castro, em entrevista ao Portal Vermelho. Ele descreveu a cota como um mecanismo tradicional legal utilizado por diversos países para apoiar a produção e distribuição de filmes nacionais, em meio à predominância de lançamentos estrangeiros nas telas.

A medida, segundo ele, serve “para apoiar a produção e escoamento de filmes nacionais nos países que tem produção consistente e têm que abrir espaço em meio à avalanche de filmes estrangeiros que chega às telas do país, principalmente os mega lançamentos, que chegam a ocupar hoje até 2/3 ou mesmo 3/4 do circuito exibidor, quando não fazem a totalidade do circuito com dois mega lançamentos simultâneos, que foi o que ocorreu recentemente com os lançamentos simultâneos de Barbie e Openheimer”.

 

Plessmann enfatiza a importância histórica da cota de tela no Brasil, remontando à sua criação em 1932, durante o governo de Vargas, e ressalta seu impacto positivo no fortalecimento do cinema nacional. “De lá para cá ela foi aumentando paulatinamente, acompanhando o crescimento do filme nacional e popular brasileiro, até chegar ao seu maior patamar, na virada dos anos 70 até a primeira metade dos anos 80, com a política implementada pelo cineasta Roberto Farias e o diplomata Celso Amorim, através da Embrafilme. Chegamos a ocupar, na ocasião, 40% das telas de cinema no país e, por muito pouco, não cruzamos a linha de desempenho do filme estrangeiro aqui. Essa linha vinha caindo, e a nossa subindo, e quase nos encontramos”.

O texto aprovado no Senado determina que salas de cinema devem exibir obras brasileiras, com critérios de número mínimo de sessões e variedade de títulos, a serem definidos anualmente pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), também responsável por fiscalizar o cumprimento dessa medida, em conjunto com entidades representativas do setor. O objetivo é promover a autossustentabilidade da indústria cinematográfica nacional; a liberdade de programação, valorizando a cultura brasileira e garantindo o acesso às produções nacionais.

Impacto cultural e econômico

O cineasta ressalta a importância da cota não apenas do ponto de vista econômico, ao reservar parte do mercado interno para filmes nacionais, mas também como ferramenta cultural para a nacionalização do imaginário brasileiro “uma vez que a atividade cinematográfica concentra os maiores recursos e reúne, garantida a sua diversidade, grande parte das atividades culturais da nação, envolvendo dramaturgia, atores e atrizes, fotógrafos, músicos, artistas plásticos, figurinistas, cenógrafos, enfim é uma das atividade mais importante para a qualificação estética de um país, sem contar o fator tecnológico, de ponta, concentrado na imagem e no som, que envolvem desde aspectos da linguagem até questões de inteligência artificial”, afirma.

Além disso, a aprovação da medida é um passo decisivo no processo de valorização do cinema nacional, algo fundamental para a identidade do país. O diretor afirma que a cota de tela “estimula conteúdos originais e inovadores, e abre espaço para todo tipo de realizações. A lei permite uma variação no número de títulos a serem exibidos, ampliando as referências do público sobre o cinema produzido no país, pois há toda uma nova produção sendo feita como resultado dos novos estímulos à produção que se estagnaram nos governos Temer e Bolsonaro, e agora voltam aos poucos a fluir. Filmes feitos por realizadoras mulheres, por indígenas, pretos e LGBTQI+, enfim toda a diversidade brasileira se junta a realizadores consagrados, de outras gerações, devolvendo o país aos seu próprio público e tudo isso é contemplado com a medida”.

O descumprimento da obrigação sujeitará o infrator a advertência ou multa, conforme o regulamento, correspondente a 5% da receita bruta média diária do complexo cinematográfico onde ocorreu a infração, multiplicada pelo número de sessões descumpridas. A matéria já havia sido aprovada na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) na semana passada e enviada ao Plenário com pedido de urgência.

Estudioso do tema, o secretário da Apaci comemorou a vitória no Senado como um passo “fundamental no processo de autoafirmação cultural brasileiro”, destacando o caráter “anti-imperialista e popular” da medida. “É muito importante também que a cota suba paulatinamente, e imaginemos desde já o melhor patamar que já ocupamos, de 40%, no início dos anos 80. Temos que ver essa vitória como um passo fundamental no processo de descolonização brasileiro, ainda em curso”, enfatiza.

Vale ressaltar que, segundo o cineasta, a vitória foi também resultado direto da realização do 9º Congresso Brasileiro de Cinema, realizado em Brasília, entre os dias 08 e 12 de dezembro deste ano 2023, que reuniu mais de 50 entidades brasileiras em torno do assunto.

Estímulo à produção nacional na TV Paga

Outro projeto de lei (PL 3.696/2023), que prorroga até 2038 a cota obrigatória para produções brasileiras na TV paga, também foi mencionado, sendo considerado pelo secretário da Apaci como um estímulo crucial para a absorção da produção nacional nesse segmento específico.

“A medida desde que surgiu, articulada pela Ancine na época da gestão Manoel Rangel, significou um aporte de demanda excelente à atividade, ampliando a demanda e a produção. Na época fomos obrigados a definir uma cota muito pequena, que chega a no máximo 3% da programação nos espaços e canais qualificados, mesmo assim o impacto foi excelente”, afirma.

Plessmann de Castro delineou dois desafios futuros: a sanção presidencial da cota de tela “já definindo o novo patamar de ocupação de filmes nacionais nas salas, o qual esperamos que suba ao patamar básico e tradicional do período de prático por ditadura, de 15%” e o trabalho no Congresso para aprovar a “Cota de Catálogo” junto aos serviços de streaming, como “Netflix, HBO, Amazon Prime, serviços que chegam sob demanda do consumidor e via internet. Essa medida, em conjunto com a cobrança de uma taxa de ocupação pelas empresas estrangeiras, para financiar filmes, series e documentários nacionais será um avanço enorme nas condições de produção, na qualidade da obra e da cultura do país”, finaliza.

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