Yves Hublet
“Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite!”
Sou filho de pais de classe média baixa, mas muito bem alfabetizados (meu pai, belga de nascimento, era um ávido leitor, assim como minha mãe, embora esta só tivesse o curso primário feito em escolas públicas).
Mesmo assim, e para provar o excelente nível do ensino daquela época (que a famigerada Reforma, do golpe de 64, jogou por terra), ela alfabetizou-me em casa, aos cinco anos de idade.
Aos seis, já conseguia ler (e entender) o “D. Quixote, para as crianças”, versão infantil do livro de Cervantes, escrito por Monteiro Lobato ( meu guru, desde então).
E, tão fascinado fiquei com as loucuras heróicas do lendário manchego, que até hoje o recebo “mediunicamente”, em certos momentos históricos (como os que estamos vivenciando nestes dias) e empunho a caneta como a uma espada toledana.
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! Pois, lembro-me bem, aos sete anos ganhei de aniversário, uma grande caixa ( que eu pensava ser um trenzinho elétrico, sonho de consumo, jamais realizado) trazendo a coleção infantil completa, em 17 volumes encadernados, de Monteiro Lobato. Assim, naquela idade, aprendi mais sobre mitologia grega (através dos “XII Trabalhos de Hércules”) do que muito adulto, nos dias de hoje.
Sim, Senhor Presidente! Eu sou elite! Mas não daquela que fuma caros charutos cubanos, veste ternos Armani decorados com gravatas Hermés, tendo uma caneta MontBlanc no bolso da camisa, passeia de jetski e viaja de Learjet particular (para Miami, é claro!).
Aquela, Senhor Presidente, cujo maior e fiel representante nós, a outra Elite, conseguiu alijar do poder, pela vontade popular, através do Impeachment. Lembra-se?!
Pois é, Senhor Presidente, esta outra Elite, a qual orgulhosamente digo pertencer, é a que pensa – e, por pensar – vota sempre tentando melhorar o padrão sócio-econômico-cultural deste nosso tão sofrido povo brasileiro.
Mesmo votando certo na pessoa errada (embora votar para presidente, em Jânio Quadros, em 61, significasse a revolta de jovem ao escabroso governo de Juscelino Kubitcheck, que deu início à institucionalização da corrupção, com a construção de Brasília, e tanto isso é verdade que, ao sair, ele montou um Banco: DENASA), ou anulando o voto (burramente, o jovem queria protestar contra a farsa eleitoral, na época da ditadura, sem atentar que estava – isso sim! – fortalecendo a ARENA, partido dos senhores Antonio Carlos Magalhães, José Ribamar Sarney, Paulo Salim Maluf e tantos outros).
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! Que estava em todos os comícios das Diretas Já, no Rio de Janeiro, e se comovia até as lágrimas, ao cantar, com a Fafá – o Hino Nacional. Lágrimas que também rolaram ao assistir, pela TV, ao enterro do recém-eleito Tancredo Neves – não tanto por ele – mas pelo sofrimento que adviria – e veio – com a posse do seu vice Sarney (já com a pele de cordeiro pelo PMDB). Deu no que deu!
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! Que votou no senhor contra o famigerado Collor. Não como primeira opção, pois foi do Brizolla ( o político que, sozinho ou junto com Darcy Ribeiro, mais fez pela Educação neste país), mas que saiu em sua defesa, quando amigos – ditos socialistas – falavam em anular os votos. Deu no que deu!
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! Pois fui contagiado pela febre cívica que, novamente, nos levou às ruas, juntos aos jovens caras-pintadas, para alijar do poder o Collor e toda sua camarilha. Que lindos momentos foram aqueles, embora dolorosos! Serão as “dores do crescimento” de que nos fala o jornalista Tales Alvarenga em sua coluna de VEJA (27/julho/2005)? As mesmas dores, em épocas diferentes?
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! E, como tal, em 1994, pertencendo ao Partido Socialista Brasileiro – PSB, em S. José dos Campos, participei da campanha da Drª Ângela Guadagnin, do PT, que defenestrou a direita do poder, naquela cidade. Como Assessor de Meio Ambiente da Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente naquela gestão, pude constatar, na prática, a maneira de governar do seu partido, senhor Presidente, quando a prefeita Ângela teve que suportar a oposição (ferrenha e burra!) não só dos seus adversários políticos como – ainda pior – dos seus correligionários. Na época, pensei: Com esse tipo de “amigos”, não se precisa de inimigos.
Sim, Senhor Presidente! Eu sou Elite! E, portanto, votei no senhor nesta última eleição (novamente, não no primeiro turno) acreditando ainda que, por ter sido filho de pais analfabetos ( como o senhor tanto apregoa, fazendo parecer um ponto positivo do seu curriculum), daria – pelo menos – à Educação, o destaque que merece numa gestão – dita – de esquerda.
Neste quesito, sua administração foi abaixo do lamentável. E isso, apesar das suas inúmeras viagens ao Extremo Oriente onde, em contato com os chamados Tigres Asiáticos, pode avaliar in loco, o valor da Educação na formação daquela elite.
Não, Senhor Presidente! Não vou-me alongar mais. Só quero lhe dizer que, apesar de ser Elite, eu não possuo nenhum bem – móvel ou imóvel – além do intelecto, adquirido em boas escolas particulares, único requinte a que meus pais, com muito sacrifício, se submeteram, já que o filho não tinha o aproveitamento escolar que lhe permitisse entrar numa Escola Caetano de Campos (SP) ou Colégio Pedro II (RJ), exemplos de ensino público, naquela época.
E também lembrar-lhe, que esta Elite pensante, a qual tenho a honra de pertencer, estará atenta ao rumo dos acontecimentos ( cada vez mais escabrosos) que estão envolvendo sua administração e, se não forem muito bem esclarecidos por V. Exciª ( e com pouco menos arrogância), estaremos novamente nas ruas – como força viva da Nação – para exigir dos deputados e senadores, o seu impeachment.
Pois, pior para a Pátria Brasileira, do que assistir ao doloroso espetáculo da imolação de um governante, é ver se avolumar – impunemente – uma tal gama de falcatruas e atentados à ética e probidade (tão alardeadas em seu Programa de Governo).
Yves Hublet é escritor e teatrólogo.