Em metade das semanas de 2022, exibição de filmes estrangeiros superou 90% das sessões. Setor defende retomada da cota de tela para impulsionar o cinema brasileiro
Os últimos anos trouxeram mudanças profundas para o cinema nacional. A avalanche do streaming, a pandemia e as dificuldades impostas pelo governo de Jair Bolsonaro à cultura — entre elas, a falta de renovação da cota de tela — criaram obstáculos aos títulos brasileiros. O resultado é que houve redução no número de ingressos vendidos para filmes daqui e, em geral, eles são exibidos em horários de menor público e em dias úteis, quando a entrada é mais barata, reduzindo a arrecadação.
Segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine), entre 2018 e 2019, os filmes brasileiros correspondiam a cerca de 14% das sessões realizadas após às 17h — em 2022, esse percentual caiu para 7%. Outro dado mostra que no ano passado, a participação relativa dos filmes brasileiros total foi de 4,2% do público e 3,9% da renda.
De acordo com informações disponibilizadas pela Ancine, em 2022, “25% das semanas contaram com mais de 98% das sessões dedicadas a filmes estrangeiros e em metade das semanas do ano essa ocupação foi de mais de 90% das sessões. Se em 2018 e 2019 as 20 obras estrangeiras de maior público responderam por 42,6% e 46,4% das sessões programadas, em 2021 e 2022 esses patamares saltaram para próximo de 60%”.
Por outro lado, diz a agência, de 2021 para 2022 registrou-se um aumento de 263% no total de sessões realizadas com obras brasileiras, que responderam por 8,6% do total, “ficando evidente o potencial de recuperação do cinema brasileiro”.
Uma das formas de fazer frente aos novos mecanismos de exibição dos filmes e aos “blockbusters” — que sempre tomaram as salas de cinema com mais força do que as produções locais — é a chamada cota de tela, instituída pela primeira vez no Brasil em 1932. E aí entra um dos problemas trazidos pela “era Bolsonaro”.
A regulamentação desse tipo de cota vinha sendo feita por medida provisória desde 2001, com regulamentação anual via decreto presidencial. O último foi assinado em dezembro de 2019 e desde setembro de 2021, quando venceu, não houve substituição do regramento, deixando um vácuo que acaba privilegiando as mega-produções estrangeiras.
Em entrevista concedida em abril ao jornal O Globo, Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura, declarou que “a pandemia deu uma dilacerada geral. Temos discutido como se dará essa volta da cota de tela e que tipo de ampliação fazer. É outra batalha prioritária da SAv junto com a Ancine. (Os filmes) acabam à margem, perdidos dentro dos grandes lançamentos. Se o Estado não intervir, isso não vai mudar. Os filmes brasileiros não chegam à população brasileira”.
Entre as iniciativas prioritárias apontadas pela Ancine no que diz respeito ao tema está a Agenda Regulatória 2023/2024, que contempla a renovação da cota de tela para os filmes brasileiros nos cinemas e a elaboração de uma nova propositura legislativa. O objetivo é que se possa estabelecer “instrumentos adicionais que inibam a concentração e a ocupação predatória de salas, garantindo a diversidade de títulos e a exposição de obras nacionais”.
Outro ponto defendido pela Ancine é que a agência tenha a prerrogativa para a definição de cota anual, com regulamentação que permita proporcionalidade de acordo com porte econômico dos agentes, possibilidade de transferências, dentre outros, além da previsão de cota de tela por sessões e não apenas por dias de exibição.
Em declaração recente feita pelas redes sociais, o ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira salientou que “os direitos de autor e o direito patrimonial estão sendo fagocitados pela empresas globais e plataformas, inviabilizando um cinema nacional. Até a cota de tela, que vem desde Getúlio Vargas, está sendo desrespeitada”. E acrescentou: “Sem essa regulação, não podemos pensar em um novo ciclo de desenvolvimento do cinema brasileiro”.
Com agências
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