Chá das cinco com o vampiro, o novo romance de Miguel Sanches Neto

nilton bobato

O termo crítica provém do grego crinein, que significa separar, julgar. É um ato do espírito que preserva o que merece ser afirmado e põe em dúvida a pretensão daquilo que vai além de seu domínio de aplicação e, portanto, não merece ser afirmado. O poeta/escritor Nilton Bobato faz, aqui no Portal Brasil Cultura,  o julgamento do mérito do escrito de Miguel Sanches Neto.

por Nilton Bobato

Sem abandonar sua Peabiru, Miguel Sanches Neto se rendeu a Curitiba de Cristovão Tezza e Dalton Trevisan, com seus mitos, mas sem as esquinas do primeiro e sem a crueldade do segundo. A apresenta com uma frieza e abstração que ainda não havia observado em nenhuma obra literária que tivesse como espaço a capital paranaense. Fria, arrogante e triste. No entanto, Miguel mora em Ponta Grossa e talvez por isso sua visão curitibana seja de fora para dentro, não está internado nela como Tezza e Trevisan.
O novo romance do Sanches Neto, Chá das Cinco Com o Vampiro, traz o pecado comercial de fazer com que busquemos o texto como se fosse sobre o Dalton Trevisan, e não é. O estereótipo de Trevisan, no caso a personagem Geraldo Trentini, é apenas uma parte desta excelente narrativa. Assim como traz outros tipos estereotipados da literatura e jornalismo da estranha Curitiba contemporânea, como Wilson Martins e Fábio Campana, mas não é sobre os mitos curitibanos que o romance trata. Eles apenas integram o contexto da ficção, entrelaçando-se com a saga do protagonista e entre si.
Trata-se da estória de Beto Nunes Filho, o garoto de Peabiru, que com todos os ingredientes para dar errado, vira referência da crítica e da literatura paranaense com um livro sobre que tem como espaço Peabiru, inspirado no próprio Miguel Sanches Neto. Este Beto convive com seus egos e medos e com os egos e medos dos mitos curitibanos, daí a presença do vampiro, do Capote, do Marcondes e outros estereótipos.
Também não vale aqui perguntar se Miguel sonha em abandonar a literatura e voltar para sua Peabiru, como seu Beto Nunes. Ou também não vale aqui saber se a trajetória de Miguel tem a ver com a de Beto. Quem tiver dúvidas consulte “Chove sobre minha infância”. Por último, não vale perguntar se Miguel conviveu com os mitos curitibanos que ele estereotipiza no romance ou qual sua relação com estes seres ou se quer polemizar com eles.
O fato é, que maestralmente, Miguel Sanches Neto, um dos principais nomes da literatura paranaense contemporânea, se juntando cada vez mais a nomes como Tezza, Trevisan, Pellegrini e outros, conseguiu produzir um romance com as tensões que devem ter este tipo de narrativa, traduzindo friamente o comportamento (pelo menos aqueles transformados em lendas) de alguns dos ícones contemporâneos da cultura local, sem meias palavras. Essa frieza narrativa não torna o romance apelativo, pelo contrário.
Além da trajetória de Beto Nunes, seus pequenos golpes, seus amores, sua relação conflituosa com a família, sua entrada no meio cult de Curitiba, a narrativa de Miguel Sanches Neto traz um divertido jogo de conflitos entre os conhecidos personagens da Curitiba literária, que nos leva a um exercício de tentar descobrir em quem o autor se inspira, o que tem de absurdo ou não em cada descrição de comportamento.
É um daqueles romances para marcar a literatura contemporânea local e que marcarão a obra do autor. Vale a aquisição e a leitura.

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