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Antes de passar aos fatos cabe uma pequena retrospectiva sobre o que foi a censura no regime militar. O período de censura na época do regime militar no Brasil atingiu seriamente os meios de comunicação e a produção cultural, sobretudo o conteúdo jornalístico dos periódicos da época. O fato de substituir notícias por receitas culinárias, bem como na produção literária buscar artifícios para burlar o corte da censura, entre outras informações inusitadas, virou ilustração recorrente como exemplificação do que ocorreu na época nos jornais impressos, na produção cultural como um todo – musica, teatro, etc.-.
A história da comunicação no Brasil teve como um dos períodos mais marcantes as décadas e 60 e 70, bem como até meados de 80, quando a ditadura militar teve seu auge de restrições à imprensa, acirrando a censura aos meios de comunicação e à produção cultural, privando a população da divulgação de noticias determinantes para promover nas massas uma análise crítica sobre a situação política e econômica do pais.
A liberdade de expressão é um direito humano inalienável e sua proteção um elemento essencial para as sociedades democráticas. A luta pela liberdade de expressão e de imprensa, por qualquer meio de comunicação, não é tarefa de um dia; é um esforço permanente e com isso todos nós nos comprometemos quando fomos às ruas, às praças enfrentar a ditadura.
Não é possível que em pleno século XXI, após tantos sacrifícios, estejamos passando por retrocessos como foi o caso da censura do Conselho de Editoração da Secretaria de Cultura do Estado do Paraná à nossa produção “ Variedades do Cotidiano- Um enfoque dialético”.Sugerir “amenidades” à uma produção cultural, à uma obra jornalística é querer imparcialidade. Imparcialidade? Bem essa é difícil de atingir. Por trás de qualquer imagem está o olho do jornalista, do escritor, do crítico, do revisor, do editor. Estes fazem o recorte, fazem a escolha, decidem o que vão mostrar. Logo, essas posições, não são imparciais. Elas tem lado, escolhem uma posição para dali fazerem suas observações. O jornalista, o escritor não pode ser imparcial – por mais que pretenda ou se esforce -, mas deve ser honesto. Deve ter a determinação de mostrar o máximo possível do que apurou para que o público consumidor da noticia faça sua avaliação. Foi o que procurei fazer no meu livro “Variedades do Cotidiano – Um enfoque dialético” ao fazer críticas, afirmações contundentes, denuncias com franqueza e honestidade.
Em fevereiro deste ano encaminhei à Secretaria de Estado da Cultura arquivo contendo texto do meu livro “Variedades do Cotidiano – Um enfoque dialético” a ser editado. Passados 5 meses, procurei a Secretaria Vera Mussi para saber do andamento da minha solicitação; disse-me a Secretaria Vera Mussi que falasse com a Sra. Rosi Gloria Zandoná Lopes Salomão, Coordenadora de Editoração Literatura da SEEC. Fui procura-la e, pasmem, estava em poder dela um oficio a mim dirigido, datado de 14/06/10, o qual não foi encaminhado sob a alegação de que não tinham o meu endereço. Acontece que no “ parecer” elaborado pelo Conselho de Editoração, o qual está apenso ao Protocolo nº 10.180.708-8, consta dados pessoais que não deveriam fazer parte daquele parecer , citando que eu era “ ex-diretor da Claspar- Empresa Paranaense de Classificação, durante os últimos anos do governo Roberto Requião”. Então sabiam do meu endereço. Mas o que cabe aqui comentar é o “parecer”, eivado de ranços reacionários, de censura próprios do período ditatorial, período esse em que fui perseguido, preso e censurado pelo SNI/ABIN, durante 22 anos – de 1964-1986. Passo a transcrever ipsis litteris, parte do conteúdo do oficio que recebi das mãos da Coordenadora de Editoração Sra. Rosi, “(…) Segundo parecer emitido pelo Conselho “ a obra oferece opinião pessoal, comprometida com uma visão ideológica de caráter partidário,e por este motivo não deveria ser publicada às expensas do Estado”. A alegação de “ partidário” é uma deslavada mentira! É uma obra ideológica sim, de denuncia, de análise, de crítica, portanto, dialética sim. O “ parecer” que coloco na sua integra à disposição dos leitores, é um libelo de censura quando tenta desqualificar nosso trabalho e interfere na nossa livre criação quando diz que: “ ora, os trabalhos reunidos não têm as amenidades e a falta de sabor que em geral se atribui ao dia-a-dia”. Parece que os membros censores do Conselho de Editoração desconhecem a etimologia da palavra cotidiano, bem como não sabem o que significa dialética quando afirmam que “ tampouco os tema recebem tratamento dialético que se pretende (…) Os escritos versam sobre problemas de transgenia, emprego de agrotóxicos, cotas para negros, mercantilização do ensino privado, reforma agrária e meio ambiente, e tantas outras de igual teor, que o autor trata com argumentação veemente, para desembocar, frequentemente, na injuria e no jargão de hábito comunista”. (grifos meus)
Diz mais o “parecer” dos censores público “entendemos que a iniciativa editorial do Estado deve se ater à defesa dos valores consagrados da cultura, com vistas à orientação e promoção da educação pública”, como se os temas abordados no meu livro fossem alheios a essa tese. Finalizando o “parecer” os censores terminam dizendo que “por se tratar de obra que oferece opinião pessoal, comprometida com uma visão ideológica de caráter partidário, exclusiva e extremista(grifos meus), opinamos no sentido de que não seja acolhido o pedido de editoração”. É uma bela opinião que não deixa a desejar a quaisquer daquelas que fizeram os censores durante a ditadura militar que nos infernizou a vida! É triste para nós que lutamos contra a censura, contra a ditadura, termos que aturar esse achincalhe, esse menosprezo, esse desrespeito a livre criação, ao livre pensar.
Lamentável que ainda existam algumas pessoas num Conselho de Editoração persistindo e mantendo o ranço censor da ditadura!
Valdir Izidoro Silveira (*)
(*) Jornalista, Escritor e engenheiro agrônomo-Diretor Técnico da CLASPAR
vis@netpar.com.br
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