Censura com as “Recomentações”.

 

Censura É Uma Lata na Boca

 

O recente episódio envolvendo certas “recomendações” contratuais que vetavam o uso de certos tipos de imagens pelos VJs num grande festival de música eletrônica em São Paulo expõe a situação real da atividade artística em nossos tempos.

Finalmente, chegamos à “música eletrônica de pista no mundo da Xuxa”. Não pode ter imagem de drogas, violência, política, mas é para a rapaziada encher a cara…

De uma forma geral, os criadores são reféns (uns mais felizes do que os outros) dos marqueteiros e de suas estratégias publicitárias. O Estado continua ausente da promoção cultural na sociedade, porque lhe falta projeto e estratégias. A lei de incentivo transformou o artista num “mal necessário” nos planos de marketing. E de que artista estamos falando? Que cada vez se aliena mais, num ambiente de pose e de escapismo.

E, me desculpe a rapaziada, a música eletrônica, que surgiu como curtição de uma tribo urbana em busca de novas formulações e veiculação para o fazer musical e que criou resultados inovadores noutros tempos, caiu na vida e já tem suas festas de peão.

Será que esse é o destino único da criação artística nos dias de hoje? Linha auxiliar de campanha de vendas? Se é assim, então pelo menos vamos falar claro.

Estive neste mês na Winter Music Conference, em Miami (EUA). Lá, DJs e assemelhados assumiam alegremente o papel de garotos-propaganda de celulares, gadgets e outros equipamentos periféricos, que são a razão de ser da cena eletrônica de pista nos EUA. Como numa convenção de vendas, DJs faziam demonstrações de equipamentos, produtores negociavam pelos corredores de hotéis, onde a grande excitação girava em torno de qual tecnologia vai dominar os novos suportes.

Nesse ambiente, é natural que uma empresa, na hora de promover seu produto, queira relacioná-lo a comportamentos, sons e imagens que lhe interessam.

Cabe, sim, à rapaziada ficar esperta e perceber que está dançando conforme as escolhas musicais desses marqueteiros em seus refrigerados escritórios e que eles não têm nenhum compromisso com música. Trata-se de negócio.

Mas será que a rapaziada está preocupada em ser, uma vez mais, massa manipulada de um consumismo cada vez mais sacana? Sacana porque inventa comportamentos, símbolos, sons que, através de massiva propaganda, faz crer à moçada que esses são os seus valores e modos de vida.

Quanto à situação dos VJs, à censura travestida de linguajar “politicamente correto” e legalista resta constatar que precisam ser criados espaços sociais para que se veicule realmente música, vídeo etc. E que esses megafestivais de celular, cerveja e outros usam sons e imagens apenas como iscas de uma juventude incauta. Que acha que se manifesta “com uma lata na boca”, slogan que é uma versão repaginada daquele antigo “liberdade é uma calça velha de jeans”. De slogan em slogan desfiamos nossa indigência cultural.

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Livio Tragtenberg é compositor

 

 

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