Boneco também é coisa de mulher

bonequeirasCirleide Nascimento Silva, 26 anos, mais conhecida como Cida Lopes, nem se lembra de quando conheceu o teatro de bonecos, atividade da qual, hoje, tira seu sustento. Em Glória do Goitá, na Zona da Mata pernambucana, Cida cresceu imersa no trabalho de seu pai, Zé Lopes, que tem 50 de seus 65 anos dedicados a esse importante patrimônio cultural do Brasil. Mas nem mesmo a sabedoria e o apoio incondicional do pai a pouparam das dificuldades que o mundo apresenta às mulheres em busca de protagonismo.

 

Cida conta que, desde pequena, junto à mãe, Marinês Tereza, 40 anos, e à irmã, Larissa Nascimento Silva, 19 anos, foi aprendendo cada ofício que o teatro de bonecos engloba: esculpir os bonecos, manipulá-los durante a apresentação, tocar zabumba e triângulo, atuar como contrarregra, montar cenários e criar enredos. Se apresentar, porém, lhe parecia impossível. “Eu morria de vergonha de botar a voz no boneco, de falar e de cantar, até porque nunca tinha visto mulher se apresentando”, relata.

 

Para Zé Lopes, a falta de referências femininas no teatro de bonecos tem origem em uma cultura antiga e do interior, em que as apresentações eram vistas como “uma coisa mais de macho” porque abordavam brigas de “valentões”, falavam de “cachaceiros e namoradas” e era onde “se resolviam questões”.

 

“Hoje, o teatro de bonecos está em outra área. A gente passou para a cidade, nos apresentamos na televisão, em escolas. Acho muito importante essa vinda da mulher para o mamulengo. Elas apresentam igual aos homens, criam histórias maravilhosas, as mulheres têm seu lugar no teatro de bonecos”, destaca Zé Lopes.

 

A dificuldade de Cida de se expor em público só foi vencida, definitivamente, em 2010, quando seu pai teve que ser internado em UTI. Com uma apresentação do seu projeto – o Mamulengo Teatro Sorriso – já agendada, Zé Lopes pediu às mulheres da família que o substituíssem, marcando assim o “empurrão definitivo” para a criação do Mamulengando Alegria, conforme define Cida. “A gente já vinha montando esse grupo das mulheres da família desde 2008, mas foi só depois desse dia em que apresentamos as histórias do meu pai que a gente passou a conseguir”, resgata.

 

Mamulengando Alegria

 

De lá pra cá, o Mamulengando Alegria já se apresentou em importantes eventos como o Ciclo Natalino em Recife (PE), o Festival de Inverno de Garanhuns (PE), os Encontros de Mamulengos de Brasília (DF) e de São Paulo (SP) e o IX Encontro Nacional de Culturas Populares, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) em Serra Talhada (PE).

 

O grupo, formado por Cida, sua mãe e sua irmã, além de apresentar peças já tradicionais do mamulengo, também cria suas próprias histórias, mantendo o humor típico do gênero, mas inovando em temas. Uma delas, intitulada “Congresso Feminino”, critica obrigações que a sociedade impõe às mulheres e aborda a evolução de seus direitos no mundo, dando destaque à Lei Maria da Penha.

 

“Uma personagem é americana e diz ao marido que não vai mais lavar roupa. O marido lava a cueca num dia, no outro a camisa e, depois, já abriu uma grande lavanderia. A chinesa diz que não vai mais fazer comida, aí o marido faz café um dia e, depois, cria o maior restaurante da China. A brasileira diz que vai fazer greve de sexo. No primeiro e segundo dia, ela diz que não vê nada e, no terceiro, que o olho começou a desinchar. No final, o marido vai preso”, resume Cida.

 

Durante algumas apresentações da peça Congresso Feminista, Cida relata que alguns homens reproduzem preconceitos, dizendo em voz alta que “lugar de mulher é em casa mesmo” e coisas do gênero. Entretanto, com relação à atuação delas como protagonistas do espetáculo, Cida afirma sentir muito reconhecimento. “Num encontro em São Paulo, fomos muito aplaudidas pelos maiores mamulengueiros do Brasil”, recorda.

 

As apresentações, entretanto, ainda são poucas, cerca de três a quatro por ano, e não garantem o sustento das mulheres do Mamulengando Alegria. Nem mesmo o já tradicional Mamulengo Teatro Sorriso, do mestre Zé Lopes e do qual Cida, Marinês e Larissa seguem fazendo parte, obtém a maior parte de sua renda com as apresentações. A principal fonte de receita da família vem da fabricação dos bonecos, vendidos por encomenda ou em eventos, como a Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte), em Olinda (PE), e o festival Sesi Bonecos do Mundo, realizado em várias cidades do Brasil. Os planos da família mamulengueira incluem, agora, a expansão de suas atividades para escolas, não apenas com apresentações, mas com oficinas.

 

Sobre o teatro de bonecos

 

O Teatro de Bonecos do Nordeste se tornou uma tradicional brincadeira, com origens no hibridismo cultural, durante o período de colonização do Brasil. A troca intensa possibilitou uma diversidade de temáticas: religiosa, profana ou de costumes populares. E, apesar desse bem ser amplamente conhecido como mamulengo, em cada contexto se desenvolveu de forma diferenciada, por isso, possui diversas denominações: Cassimiro Coco, no Maranhão e Ceará; João Redondo e Calunga no Rio Grande do Norte; Babau na Paraíba; e Mamulengo em Pernambuco.

 

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