Balançando a pança e buzinando a moça

ChacrinhaChacrinha era pós-moderno quando o conceito não tinha sequer sido inventado

Professor em duas faculdades cariocas, o jornalista, crítico e diretor Nelson Hoineff passou recentemente por uma situação curiosa, levando-se em consideração que sua cadeira na universidade é história do cinema. Falando sobre Federico Fellini, perguntou aos alunos sobre o cineasta italiano. Ninguém soube de quem se tratava. O mesmo ocorreu logo depois, quando questionou sobre Glauber Rocha. Diante da ignorância dos alunos, todos na casa dos 20 anos, resolveu fazer um teste. E Chacrinha, conheciam? Todos assentiram.

Vinte e um ano após a morte de Abelardo Barbosa, a figura do apresentador bonachão, que produzia bordões impagáveis e não tinha papas na língua, permanece imbatível no universo televisivo. Com o documentário Alô alô Terezinha, que chega aos cinemas no dia 30, Hoineff está longe de fazer um convencional retrato biográfico do Velho Guerreiro. Assim como o próprio Chacrinha, o longa-metragem veio para confundir e não para explicar. “O que me interessa é a transgressão e no Chacrinha ela se manifesta de maneiras diferentes. Havia mil formas de montar o universo dele, e elegi montá-lo o colocando como centro de uma constelação onde gravitam astros, chacretes e calouros”, explica Hoineff.

A hora e meia do documentário foi resultante de edição de material com 150 horas de arquivo (50 da Globo e o restante entre Bandeirantes e a extinta Tupi) e outras 150 de gravações. Para cada personagem apresentado em antigas imagens das décadas de 1970 e 1980, há o correspondente para a atualidade (mais precisamente 2007, quando a equipe foi a campo). O número de participações é extensa e o mais diverso possível, como bem era o elenco dos programas do Chacrinha.

A parte inicial do filme traz Roberto Carlos, como o cantor mascarado, se apresentando no Cassino do Chacrinha. Uma outra cena, gravada recentemente, traz um ex-calouro xingando o Rei, dizendo ser ele o grande cantor do Brasil. Logicamente a performance dele é digna de vários abacaxis, troféus que colecionou nas passagens pelo programa. Outros artistas que aparecem no longa são Gilberto Gil, Cauby Peixoto, Agnaldo Timóteo, Jerry Adriani, Baby Consuelo, Fafá de Belém, Ney Matogrosso, Fábio Jr., Gretchen e Nelson Ned, entre outros.

Já os calouros foram selecionados a partir do material de arquivo. “Algumas performances ficaram famosas. O que fizemos foi ver nas imagens o que havia de interessante e tentar localizar esse calouro”, continua Hoineff. Abacaxi, por exemplo, que teve seus 15 minutos de fama ao cantar num inglês impossível de ser compreendido sucessos de Liza Minelli (e vestido tal qual uma cantora de cabaré), aparece nos dias de hoje de terno e gravata, sem nenhum dente na arcada superior, trabalhando num comércio popular do Rio e se lembrando da “glória” de outras épocas. Há ainda o séquito que integrava o programa, como o onipresente ajudante de palco, Russo, além dos jurados. Por fim, a cereja do bolo, que são as chacretes. Dezoito delas aparecem no filme, desde as mais conhecidas, com destaque para Rita Cadillac, Índia Potira e Fátima Boa-Viagem.

Contraponto triste Ainda que a maior parte do depoimento dos artistas recaia nas lembranças, as chacretes vão além. Falam de sua vida pós-Chacrinha – e todas, com exceção de Cadillac, saíram do meio artístico. Levam vidas simples, a maior parte morando na periferia do Rio e em nada lembrando os tempos de TV. É por certo uma situação triste, um contraponto e tanto para a extravagância do programa de auditório. “O que fiz, e acho que fui muito bem-sucedido, foi humanizar essas mulheres. Quando você falava em chacrete, por definição pensa em um monte de bundinhas gostosas. Mas há uma mulher atrás que tem sonhos, aflições e decepções e foi exatamente isso que a gente mostrou”, afirma Hoineff.

Em vez de colher meros depoimentos, o diretor armou algumas situações. Para Rita Cadillac, por exemplo, a equipe do documentário convidou o criador de uma das comunidades do Orkut dedicadas a ela. O rapaz foi até a casa da chacrete para conhecê-la. Terminou fazendo o que os fãs de Cadillac – hoje conhecida como atriz de filmes de sexo explícito – sonham: beijando, sem nenhum pudor, seu protuberante traseiro. “Não faria um filme sobre o Chacrinha somente baseado em depoimento”, justifica Hoineff, que, em janeiro, vai lançar outro documentário: Caro Francis, sobre o polêmico Paulo Francis.

Mariana Peixoto

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