Uma lista no site da Fundação Cultural Palmares (FCP) dedicada a homenagear personalidades negras virou alvo de briga política após o atual presidente da organização, Sérgio Camargo, retirar nomes sob o pretexto de que as figuras excluídas não merecem o reconhecimento.
Entre os removidos estão figuras como a deputada federal Benedita da Silva (PT) e a ex-ministra Marina Silva (Rede Sustentabilidade). A partir de dezembro, um novo corte, arquitetado por Camargo, deve reduzi-la em mais de um quarto e retirar 24 nomes, como os de Gilberto Gil e Elza Soares. Em repúdio a isso, um grupo de parlamentares tenta derrubar a decisão.
Publicada em 2011 e ampliada desde então, a lista Personalidades Negras foi criada para cultivar a memória de lideranças que marcaram a história do Brasil e do mundo. Por isso, entre seus 92 nomes, há brasileiros como Machado de Assis e personagens estrangeiros, como os norte-americanos W.E.B. Du Bois (1868-1962), Martin Luther King (1929-1968) e Malcom X (1925-1965).
Um dos instrumentos da FCP, que institucionalmente tem o dever de promover e preservar a cultura afro-brasileira, a lista é um espaço para preservar histórias de pessoas que acreditaram na diversidade cultural e na igualdade social.
Segundo Eloi Ferreira de Araujo, ex-ministro da Igualdade Racial e presidente da Fundação Palmares entre 2011 e 2012, “dirigentes e um conselho curador se debruçaram ao longo dos anos na escolha desses nomes”. Nesse período, a lista tem sido reconhecida por movimentos sociais, artistas e personalidades negras influentes.
Regina Lucia dos Santos, geógrafa e coordenadora do MNU (Movimento Negro Unificado), confirma que o movimento acompanhava a inclusão de nomes na galeria de personalidades, antes mesmo de a lista ter “o devido reconhecimento midiático”.
Essa galeria é uma ferramenta para uma das nossas principais lutas na esfera antirracista, que é o apagamento histórico das nossas lutas.
Regina Lucia dos Santos, geógrafa e coordenadora do MNU em São Paulo
O orgulho deu lugar à apreensão com a chegada de Camargo, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro em novembro de 2019. Devido a declarações controversas, como a negação da existência do racismo no país, ele já teve sua indicação contestada na Justiça, que o liberou para assumir o cargo. Chegou a dizer que o movimento negro é uma “escória maldita formada por vagabundos”.
O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, ao lado do presidente Jair Bolsonaro
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Nomes excluídos
Em sua conta no Twitter, Camargo já questionou nomes incluídos na lista antes de sua chegada à organização. “A Palmares homenageava Benedita e Marina; Pixinguinha, não! Mas os tempos mudaram. Não há mais espaço para a exaltação da mediocridade. Agora é preciso mérito e relevância”, escreveu na semana passada.
Pouco antes da declaração, o presidente da Fundação Palmares publicou a portaria nº 189, que estabelece novas diretrizes para a seleção das personalidades negras divulgadas no site da organização.
Entre as mudanças, o novo critério estipula que só figuras póstumas serão homenageadas. Isso exclui da galeria mais de 20 nomes de personalidades vivas, como Zezé Motta, Conceição Evaristo, Gilberto Gil e Elza Soares. A portaria também confere ao presidente da fundação poder de decidir sobre inclusões no caso de divergências sobre os nomes.
A deputada federal Benedita Silva, uma das parlamentares que encamparam o projeto de lei que oficializou a Fundação Cultural Palmares, conta que as personalidades foram escolhidas por um conselho qualificado da sociedade civil e do governo. Excluída da lista, ela põe em xeque a “moralização” da lista defendida pelo atual presidente.
O que faz ele pensar que ele pode julgar a moral da sociedade brasileira? Essa ideia de moral é ideológica. Eles dizem que a área ideológica está acabando com o Brasil, mas eles se pautam na ideologia classista e racista o tempo todo.
Benedita Silva, deputada federal (PT)
Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) de autoria do deputado federal José Guimarães (PT-CE) prevê suspender a portaria nº 189. Uma proposta semelhante foi apresentada na semana passada pelo deputado Túlio Gadêlha (PDT-PE) e outros quatro parlamentares da Casa: Bira do Pindaré (PSB), Maria do Rosário (PT), Áurea Carolina (PSOL) e Perpétua Almeida (PCdoB). O PDL tramita na Câmara dos Deputados.
Procuramos a Fundação Palmares, que não respondeu aos questionamentos. Ao jornal Metrópoles, a entidade afirmou que as mudanças são legais e estabelecem critérios para as homenagens. “A portaria busca legitimar e conferir parâmetros quanto à escolha das pessoas que compõem a lista de personalidades notáveis negras que são divulgadas no site da Fundação Palmares, visto que não havia um ato normativo sobre a matéria”, diz o texto.
Apagamento da história negra
Representante da nova geração do MNU, Simone Nascimento afirma que a nova estratégia em torno da lista de Personalidades Negras irá promover o apagamento dos nomes célebres.
Uma das estratégias da ideologia da extrema-direita é a ofensiva contra a memória do povo negro. O genocídio também é construído com o apagamento da memória histórica e cultural de um povo, portanto, apagar a história de um povo também é uma forma de racismo.
Simone Nascimento, organizadora do MNU de São Paulo
Apesar da iminente retirada dos nomes, Ferreira acredita que eles perdurarão, ao menos, na memória.
Por mais que ele queira, Benedita da Silva não será esquecida pelo povo negro por sua enorme contribuição na luta antirracista. O mesmo em relação a Zezé Motta, uma atriz premiada internacionalmente e um grande nome da militância. Não adianta apagar esses nomes porque eles estão no DNA da nossa causa.
Elói Ferreira, ex-presidente da Fundação Palmares
Veja os nomes que serão retirados da lista Personalidade Negras:
Ádria Santos, ex-atletista paralímpica
Alaíde Costa, cantora
Conceição Evaristo, escritora
Elza Soares, cantora
Emanoel de Araújo, artista plástico
Gilberto Gil, cantor
Givânia Maria da Silva, líder quilombola e articuladora política
Janeth Arcain, ex-jogadora de basquete
Joaquim Cruz, ex-atletista olímpico
Jurema da Silva, militante negra e indicada ao prêmio Nobel da Paz
Léa Garcia, atriz
Leci Brandão, cantora e política
Luislinda Valois, ex-juíza
Martinho da Vila, cantor
Milton Nascimento, cantor
Paulo Paim, político
Petronilha Beatriz Gonçalves da Silva, professora
Sandra de Sá, cantora
Servílio de Oliveira, ex-pugilista
Sueli Carneio, filósofa
Teresinha Guilhermina, ex-atletista paralímpica
Vanderlei Cordeiro de Lima, ex-atletista olímpico
Vovô do Ilê, fundador do Ilê Aiyê
Zezé Motta, atriz
Fonte: Beatriz Mazzei
Colaboração para o UOL, de São Paulo
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