Da relação dos despachos publicados na Corte no dia 13 de maio de 1808, primeira obra impressa no Brasil, ao primeiro número da revista O Cruzeiro, publicado em 15 de dezembro de 1928, passando pelo cardápio do célebre baile da Ilha Fiscal, a extensa pesquisa iconográfica desenvolvida por Rafael Cardoso, organizador do livro O Impresso no Brasil, 1808-1930: Destaques da História Gráfica no Acervo da Biblioteca Nacional (Editora Verso Brasil, 180 páginas, R$ 90), resultou num sedutor volume que reúne nada menos que 350 ilustrações raras. Garimpadas num acervo público, o da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, muitas delas são desconhecidas ou nunca foram reproduzidas.
Mais do que um curioso livro para nostálgicos, o livro organizado por Cardoso mostra a evolução não só da linguagem gráfica como acompanha o nascimento da modernidade entre nós, revelando, por exemplo, como a configuração visual dos grandes jornais, entre eles o Estado, mudou nas primeiras décadas do século 20 em função das exigências do público, acelerando, inclusive, o desenvolvimento da linguagem publicitária nos periódicos, assunto ainda pouco estudado.
Artistas que depois ficariam famosos, como Bordallo Pinheiro e Di Cavalcanti, começaram suas carreiras como criadores gráficos de anúncios publicitários. Peça pouco conhecida do último, o anúncio que Di Cavalcanti fez para a pasta de dentes Odol, em 1928, já prenuncia o futuro do desenhista (melhor até que pintor) que se tornaria um dos principais modernistas brasileiros. Em tempo: o anúncio foi produzido para a revista O Cruzeiro, um marco na imprensa, que acompanhou quatro gerações de brasileiros.
No entanto, “o livro é sobre a história dos impressos, e não somente da imprensa”, alerta o organizador Rafael Cardoso, embora a distinção, como reconhece, possa parecer artificial. Referindo-se a estudos sérios já publicados sobre o assunto no Brasil – entre os quais se destacam os quatro volumes da História da Caricatura no Brasil de Herman Lima e a História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré -, Rafael Cardoso diz ser revelador o fato de esses estudos terem surgido no exato momento em que a imprensa “se viu acuada pela ameaça da censura e sua concretização na ditadura de 1964 a 1985”. Por coincidência, seu livro Impresso no Brasil é publicado justamente quando o jornal Estado completa 102 dias sob censura.
Um periódico desrespeitado é uma história que deixa de ser contada, prejudicando toda a comunidade. De certo modo, o livro conta como a censura no fim do século 19, de modo semelhante, tentou ser mais real que a realidade ao destinar ao limbo revistas lidas às escondidas como O Rio Nu. Fundada em 1898 e bastante crítica quando o assunto era a hipocrisia de respeitáveis burgueses frequentadores de bordéis, o periódico semanal, num lance de ousadia, estampa na capa (isso em 1903) uma mulher nua ao lado de um sonolento dândi, que desliza num sofá para lá de suspeito.
O século 20, escreve Cardoso, chegou fazendo barulho e o pesquisador conseguiu preciosos exemplos da modernidade gráfica e comportamental, como a capa de outro semanário, A Maçã, publicado em 1923 (um ano depois da Semana de Arte Moderna). Nele, uma domadora de circo, com chicote e figurino sadomasoquista, tenta fazer com que um urso obedeça ao seu comando (veja ilustração ao lado). Como a década de 1920 marcou a consolidação do mercado de revistas no Brasil, um capítulo é dedicado a publicações que faziam enorme sucesso junto aos leitores, como a revista semanal Para Todos, da qual se reproduz nesta página a capa de uma edição de1927.
O estudo de Cardoso termina justamente com as revistas pioneiras que integram imagens fotográficas à estrutura de suas páginas, entre elas a Para Todos, que fazia uso (já em 1926) de uma diagramação pouco convencional e colorizava fotomontagens. Como se vê, a edição em fotoshop não surgiu com o computador. Muitos corpos de beldades já foram corrigidos antes dele. D
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Antonio Gonçalves Filho