A economia é criativa

42-20342383Artigo – Desde que se firmou como ideologia dominante nas sociedades contemporâneas globalizadas, a economia dita os modos de pensar e agir, constituindo-se como argamassa para as relações interpessoais e base estruturante para uma ética baseada na concentração, desigualdade, competição, lucro, hierarquia, consumo e espetáculo. Os meios de comunicação de massa, a universidade, a ciência e as artes sucumbem aos ditames da economia de maneira perigosa e preocupante.

 

As indústrias culturais são agentes ativos desse sistema, pois disseminam padrões morais e comportamentais, consolidando o capitalismo como via única para o desenvolvimento das sociedades. Mas, ao contrário do que prega, o que mais o capitalismo faz é provocar desigualdades, ampliar a pobreza e devastar os recursos naturais (cada vez mais) escassos (recomendo o recém-lançado Zeitgeist 3).

 

A lógica perversa do capitalismo transforma tudo em commodity. E com a arte e a cultura não é diferente. Vale lembrar que dentre os vários conceitos relacionados à economia criativa, o mais comum é associá-la a tudo aquilo que gera riqueza pela exploração da propriedade intelectual. Há ainda os que a conectam com o conceito de diversidade cultural.

 

Em crise profunda, o capitalismo agora produz a economia sustentável, solidária, criativa. Mas continua sendo economia, com a mesma lógica e os mesmos instrumentos de apropriação do público em direção ao privado. Novos mercados criados para gerar novas oportunidades de negócios, ou novas abordagens para os mesmos mercados. A economia é criativa.

 

Há um perigo de associação incutido no conceito de economia criativa que me preocupa. O risco de tornar mais invisível a linha que divide a arte do serviço “artístico”, como a propaganda, o design e a moda: aquele material criativo travestido de instrumento fetichista, feito sob encomenda para satisfazer o consumo, gerar necessidades e subtrair do indivíduo sua autonomia, independência e subjetividade.

 

A manipulação dos mitos, gerando a mais sutil e perversa simbologia, desconectando signos dos seus significantes e significados, aplicando neles uma cola mágica que agrega valor às marcas e produtos de consumo, ainda é um padrão vigente e dominante em nossa sociedade.

 

Não quero condenar esses meios de produção, como se existisse uma lógica única de apropriação do vasto material simbólico da sociedade. Se por um lado esses mercados se desenvolvem dentro do capitalismo global, descolando de maneira inconsequente e irresponsável a ética da estética, por outro observamos uma tendência de desenvolvimento de formas alternativas de mercado, onde a criatividade trabalha a favor da sociedade e as marcas são meios condutores de atitude positiva. Isso fica ainda mais evidente nos mercados de nicho, fora do campo de ações dos meios de comunicação de massa.

 

Sempre defendi a participação de artistas e agentes culturais no mercado, não como forma única e ideal de atuação, mas como um dos meios necessários de subsistência. Mas vou além, considero fundamental a apropriação desses instrumentos de mercado por parte dos artistas, pois acredito muito na possibilidade de alterarmos rotas, lógicas e procedimentos, a partir de uma visão e aplicação mais ampla, complexa, ética e responsável desses mecanismos de poder.

 

Vejo com bons olhos a iniciativa do Ministério da Cultura, que lança agora uma secretaria totalmente voltada para a Economia Criativa, comandada por Claudia Leitão, alguém com grande experiência em gestão pública (foi secretária de Cultura do Ceará) e também do mercado. Nos últimos anos debatemos com muita intensidade este conceito, sobretudo a partir de inúmeros artigos de Ana Carla Fonseca Reis e Lala Deheinzelin, duas das cabeças impulsionadoras e articuladoras desse conceito, no Brasil e no mundo. Vale a pena ler de novo.

 

Pois, se a economia é criativa, por que não pode a criatividade ser também econômica?

 

 

Leonardo Brant http://www.brant.com.br

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