“A cultura brasileira está indo pro bueiro”

Frase dita por Reginaldo Faria. Quase 30 anos depois, Reginaldo Faria conseguiu voltar a dirigir. Galã no cinema antes de estrear como protagonista de novelas no final da década de 1970, não raro acumulava as funções de ator e diretor. Foi assim entre 1969, quando comandou seu primeiro filme, o sucesso “Os Paqueras”, e 1984, na comédia “Aguenta, Coração”.

“O Carteiro”, que será exibido na noite desta quinta-feira (11) na competição do Festival de Cinema de Gramado, interrompe o jejum involuntário. “Sempre quis voltar, mas nunca surgia a chance”, aos 74 anos. “Quando encontrei, segurei.”

“O Carteiro” seguia pelo mesmo caminho, mas saiu do papel graças a uma parceria com a TGD Filmes, produtora publicitária que estreia em longas de ficção. Escrito pelo próprio Reginaldo, o roteiro inicialmente era uma parceria com o sobrinho Maurício Farias (“A Grande Família”) e tinha crimes e mistério. Com o passar do tempo, no entanto, evoluiu para uma mistura de comédia e romance, ao falar do carteiro de uma cidadezinha do interior gaúcho que viola a correspondência alheia e se apaixona por uma moradora local.

Projetos não faltaram. Ao longo dos anos, Reginaldo tentou filmar, por exemplo, a vida do bandido Leonardo Pareja e uma adaptação da história da vida privada no Brasil, “Festa dos Libertos”. Os dois naufragaram por problemas com investidores. “Foi duro”, lembra

Reginaldo Faria: “Muito obrigado, mas não sou o pai da pornochanchada”

“Estou cansado da violência, ela me machuca muito”, afirma o diretor, para explicar a mudança. “Há pouco tempo estava indo para minha terra, Nova Friburgo. Saí da Globo com minha mulher, a filha dela, meu filho, a namorada dele e uns caras se aproximaram em outro carro com uma metralhadora apontando para nós. Estamos vivendo tempos de extrema paranoia e neurose, as pessoas e o sistema estão partindo para uma loucura. Resolvi sair disso.”

Contando com a repercussão em Gramado para encontrar um distribuidora que leve “O Carteiro” aos cinemas, Reginaldo critica os produtos que fazem sucesso atualmente.

“A nossa cultura está se esvaindo, está indo para o bueiro. Na música popular, o refrão é mais importante do que a letra. Hoje você fica vendo um monte de besteira porque as pessoas não têm imaginação nenhuma, não têm criatividade. Você vai se perdendo dentro desse esvaziamento cultural, inclusive no cinema brasileiro.”

Paternidade da pornochanchada

Apesar de tudo, Reginaldo Faria tem um sucesso de bilheteria no currículo. “Os Paqueras”, seu primeiro trabalho como diretor, em 1969, acabou dando origem a um novo gênero. A história acompanhava dois conquistadores incorrigíveis (Reginaldo e Walter Forster) no Rio de Janeiro e tinha no elenco, entre outros nomes, Leila Diniz e Darlene Glória. O liberalismo dos personagens nas relações chamou atenção – levou quatro milhões de pessoas aos cinemas – e o filme é visto por muita gente como o estompim da pornochanchada, que dominou a produção brasileira na década seguinte.

 

O diretor recusa a paternidade. “Todo mundo que viu a gente ganhar dinheiro à beça começou a querer se aproveitar, daí veio ‘A Ilha dos Paqueras’, ‘Paqueras sei lá o que’… Escracharam tudo. Aí me denominaram pai da pornochanchada. Muito obrigado, mas eu não sou. Nossas cenas eram ingênuas, puras, até infantis. ‘Os Paqueras’ funcionava como uma comédia de costumes.”

Segundo ele, foi difícil aguentar o preconceito por parte dos colegas engajados no Cinema Novo. Enquanto faziam críticas à ditadura e seguiam rumo a um cinema de extremos, Reginaldo levava espectadores para assistir a uma comédia.

“Havia o compromisso de que o diretor de cinema só podia fazer uma coisa mais séria, mas eu não estava preparado, era muito garoto. Tinha vindo de uma cidade do interior em que não tive formação política. Minha faculdade de cinema foi feita através da luta, do trabalho. Eu só queria ser um cineasta de qualquer maneira.”

Trabalho em família

A relação de “O Carteiro” com os filmes do passado, na opinião dele, quase não existe. O modo de abordar o cinema e dirigir os atores continua o mesmo, mas o espírito mudou bastante. “Estou mais velho, maduro, experiente, mas ao mesmo tempo temeroso. Não sei até que ponto é o nível de exigência em torno disso [de tanto tempo sem dirigir], da expectativa dos outros. Podem estar esperando de mim uma coisa preciosa, maravilhosa, e eu não corresponder. Mas a minha expectativa era a de fazer e amar fazer. Isso aconteceu.”

Cadé Faria, filho de Reginaldo, em “O Carteiro”

O papel principal do filme ficou nas mãos de Cadé Faria, filho de Reginaldo, e o elenco ainda conta com a mulher do rapaz, Daniely Stenzel, e de Marcelo Faria, que originalmente seria o protagonista. A reunião em família não é nenhuma novidade, já que os Faria – ou Farias, no caso do irmão, o produtor e diretor Roberto Farias – sempre trabalharam juntos, da infância até a estreia no cinema, com “No Mundo da Lua” (58). “E os netos estão chegando”, riu, se referindo à neta, filha de Cadé, que tem acompanhado o pai nos sets.

Quanto à carreira de “O Carteiro” nos cinemas, Reginaldo permanece esperançoso. Será que o público jovem, dependente da internet, vai se interessar em ver uma história sobre cartas situada nos anos 1980?

“Não se pode subestimar a inteligência e a sensibilidade da plateia. Não acredito que as pessoas estejam se afastando tão radicalmente do que é mais humano. Quanto mais você tocar no assunto, mais sensibiliza as pessoas. O que a gente tem de fazer é atrair as pessoas para isso. Como? Fazendo um filme como eu fiz.”

 

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