Depois de três meses de paralisação, a greve dos funcionários do Ministério da Cultura, iniciada no dia 4 de abril em todo o país, continua. Os grevistas do Rio, em assembléia geral, ontem, no Palácio Gustavo Capanema, reafirmaram que enquanto não for assinado o acordo com os ministros do Planejamento e Cultura (assinatura que pode ser agendado a qualquer momento) não voltam ao trabalho. E colocaram mais uma vez na berlinda o Paço Imperial -a mais importante instituição na agenda da arte contemporânea no Rio. Sem um acordo assinado até quinta-feira, quando será aberta a mostra internacional de Henry Moore, os grevistas prometem fazer uma manifestação nas portas do prédio histórico, na Praça XV.
Mas encerrada ou não a greve, com ou sem manifestações públicas, sua duração chama atenção para úm debate entre alguns celebrados artistas que viram projetos importantes serem interrompidos em meio à luta pelas reivindicações trabalhistas.
O Paço Imperial é um exemplo flagrante desse impasse. No dia 16 de março, a casa abriu as comemorações de seus 20 anos de atividades com a inauguração de sete mostras programadas para ficarem em cartaz até 22 de maio. O desenhista Amador Perez participava do pacote, com uma exposição de desenhos, que também celebrava seus 30 anos de trajetória. A montagem representou investimento de dois anos, mas foi interrompida três semanas após a abertura.
– A greve é um instrumento legítimo. Não podemos escapulir disso. A questão é o que significa de fato a cultura para os servidores que trabalham com ela? Não entendo a forma como eles entendem a cultura. Essa é uma pergunta que eu faço – polemiza o artista, que como professor da Uerj já participou de muitas greves.
Ou seja, respeitar e entender os motivos da greve, como os demais artistas, ele respeita e entende. E até ressalta que, no caso do Paço, os grevistas foram abertos a negociações. Não nega, porém, insatisfação diante do fato de que tanto ele quanto os outros tiveram suas mostras prejudicadas pelo fechamento da instituição.
– O Brasil vive um caos social, cultural, econômico e ético tão grande que eu, como um ser social e cultural , não tenho certeza se a greve da cultura está sendo eficiente – diz.
E ele propõe ir mais além:
– Acho que já está na hora de se repensar os meios de mobilização e conscientização. Mas enquanto o governo não perceber a cultura como um fato fundamental para o desenvolvimento de um povo e de uma nação, esta pendenga não acaba.
Nélson Félix, que realizava a elogiada mostra Trilogias no Paço Imperial quando os servidores públicos entraram em greve, passou por momentos de diferentes reações. Hoje, ele sabe que o fechamento e a reabertura na última semana foi um fôlego novo para sua mostra, que conseguiu inclusive voltar à mídia. Mas, a primeira sensação ao ver suas esculturas monumentais em mármore Carrara cobertas de poeira foi uma ”baixada no astral”. O artista confessa que, no início, chegou a pensar que os grevistas estavam ”totalmente errados”. Nelson diz que a classe não tem um sindicato forte como os dos metalúrgicos ou motorista de ônibus, que conseguem parar a cidade. Mas ele questiona o método:
– Ninguém percebe quando a cultura cruzar os braços. Ao contrário, em vez de parar, os grevista deveriam se movimentar mais, ir aos teatros, pedir para subir ao palco antes das peças e conversar com o público. Duvido que uma Fernanda Montenegro ou um Cildo Meireles, em sua exposição no CCBB, não deixassem que eles se manifestarem. Falei isso na reunião com os grevistas e foi o que gerou a reabetura – diz ele.
Para Nelson Félix, no episódio do Paço, faltou ação também ao diretor Lauro Cavalcanti:
– Eu acho que o Lauro, na sua posição, é uma pessoa que tem de tomar decisões. Ele é o motorista do ônibus, mas não se considera integralmente diretor [o quadro de funcionários tem uma composição mista]. É uma confluência muito delicada, mas quem está na direção tem de dirigir – aponta Nelson Félix.
Cavalcanti, por sua vez, ouvido na sexta-feira, contou que naquele exato momento estava ”tentando um contato” e que o clima era de concórdia. Informou que dos 43 funcionários da casa só três estavam em greve.
– A greve, em geral, tem causas justas, os salários são aviltantes, não há plano de cargos. É preciso que a situação mude. Agora é preciso ajustar a situação de descontentamento a uma agenda que não pode ser adiada – diz se referindo à inauguração da grande mostra de Henry Moore (para o público) marcada para sexta-feira.
A torcida de artistas e público é para que não se repita com a mostra de Moore o que aconteceu com a exposição do pintor italiano Salvatore Emblema no Museu Nacional de Belas Artes. Na terça-feira à noite a mostra Cores e transparência teve abertura para convidados, mas no dia seguinte estava fechada ao público. O diretor do MNBA, Paulo Herkenhoff, observa, porém, que durante a greve ele negociou com os funcionários (90% estão parados) para que as atividades essenciais continuassem funcionando. Foram realizadas exposições do acervo em em estados brasileiros e no circuito Sesc:
– Acho que a situação atual do MinC é gravíssima, uma morte anunciada. A greve para mim expõe uma agonia em vários sentidos.
Também surpreendida pela paralisação dos funcionários da casa, quando expunha no Projeto Amigos da Gravura, no Museu Chácara do Céu, a escultora Iole de Freitas lembra que teve de ”enfrentar uma grande dificuldade”. No entanto, rápida e incisiva na resposta, ela não se dispõe a se alongar na conversa.
-A greve, obviamente, atrapalhou, mas estendemos o prazo até o fim de junho. Sou a favor da greve. Dizer que sou contra, não digo.