Na semana passada, o mercado editorial carioca foi chacoalhado por duas notícias: primeiro foi a venda de 75% da editora Objetiva, uma das maiores do país, que publica o Dicionário Houaiss e o escritor Luis Fernando Verissimo, para o grupo espanhol Prisa-Santillana, presente em mais de 20 países e dona do jornal El Pais, entre outras publicações. A segunda foi a compra de metade da editora Nova Fronteira pela Ediouro, que no fim do ano passado já havia adquirido o catálogo e a marca da antiga editora Agir e que já tinha sob suas asas a Relume-Dumará. Os cadernos de economia fizeram a festa com os dois negócios milionários. Falaram dos R$ 20,4 milhões que envolveram o negócio da Objetiva e da formação de um pequeno conglomerado pela Ediouro.
Mas nas entrelinhas da história, que se soma a outros movimentos recentes do mercado, a grande questão é o que isso tudo tem a ver com livros. Negócios à parte, o fato é que nunca se publicou tanto livro novo no país. Entre as editoras do Rio, as médias são altas. Por mês, a Record, a maior lançadora, coloca 28 títulos novos na praça, sem contar suas editoras e selos. A Ediouro (mais Relume e Agir) põe 25 títulos; Rocco, 25. Objetiva e Nova Fronteira, curiosamente, são as mais, digamos, cautelosas, com sete títulos cada. Isso pode levar a duas conclusões: uma é que há mais espaço para novos autores; a outra é que se lança mais do que as pessoas conseguem ler.
– Há 400 lançamentos por mês, mas de fato não existe, em tudo que se publica, tantos títulos relevantes – diz Carlos Augusto Lacerda, sócio e editor da Nova Fronteira, que detém um dos catálogos mais sólidos do país, com obras completas de nomes como Thomas Mann e João Guimarães Rosa e autores importantes atuais, como João Ubaldo Ribeiro.
Mas parece que movimentos se desenham no mercado editorial. De um lado, as ações para formar catálogos sólidos, de títulos importantes, de longo prazo, que não saiam muito em um momento, mas que vendam por muito tempo. De outro lado, as ações de grandes lançamentos, os chamados front lists, que vendem muito no lançamento, mas que são efêmeros.
– A junção de várias editoras obedece ao conceito da diversificação. O importante é manter as personalidades desse catálogos, cada um com sua cara – diz Paulo Roberto Pires, diretor editorial da Ediouro, que, com suas ações, claramente tem investido na assimilação de catálogos importantes
A ação já é há alguns anos a tônica da Record, que se tornou uma verdadeira colecionadora de editoras e selos. Hoje, pertencem a seu grupo as editoras José Olímpio, Bertrand Brasil, Civilização Brasileira e Best Seller e os selos Difel, Nova Era e Rosa dos Tempos.
– A Record, há dez anos, estabeleceu um projeto de construtora de catálogo em várias áreas. É mesmo primordial ter um catálogo forte – diz Luciana Villas-Bôas, diretora editorial da Record.
– A preocupação tem que ser sempre com a formação de um catálogo sólido. Não me interessam títulos comerciais, mas procuramos equilíbrio com títulos de boa vendagem – completa Lacerda.
Segundo ele, não se pode pensar que a qualidade dos livros publicados seja baixa. Ele explica por que se publica tanto:
– A lógica do setor é a da superoferta. A mídia e as livrarias precisam da novidade. Em boa parte dos casos, 20% dos lançamentos sustentam os 80% restantes.
A gerente editorial da Rocco, Vivian Wyler, diz que os hábitos mudaram e que cada vez mais as pessoas estão lendo mais de um livro ao mesmo tempo:
– Os leitores têm feito com livros verdadeiros zappings, como na TV.
Para Vivian, na verdade, há dois modelos de editora no Brasil: as de catálogo amplo e as pequenas, de catálogo específico.
– No Brasil, tem acontecido o que se dá na França há alguns anos: a aposta na variedade.
E com essa variedade pode-se imaginar mais espaço para o autor nacional, sobretudo para os novos?
– O autor nacional é a prioridade. Queremos que os novos autores enxerguem na editora o lugar para se lançarem – diz Lacerda.
– A boa estratégia é o longo prazo. Por isso, não compramos livros, só autores completos – diz Vivian Wyler sobre a Rocco, que, por exemplo, ao retomar na Objetiva o mago Paulo Coelho trouxe com ele inclusive os livros que já haviam sido publicados na outra editora.
– Não se forma um catálogo sólido sem um espaço para a descoberta de novos autores. Por isso têm surgido tantos novos nomes nos últimos anos – diz Luciana Villas-Bôas.
Uma preocupação muitos têm, entretanto, com a venda de parte da Objetiva para a Prisa. Claro, diante de uma negócio como esse, sempre surgem nacionalistas temerosos com a possibilidade de estrangeiros decidirem o que se publica no Brasil. Como está viajando à Espanha e à Argentina para acertar detalhes da parceria com a editora espanhola, Roberto Feith, que continua dirigindo a Objetiva, não pôde discutir o assunto.
Mas o caso da Planeta, grande editora espanhola que se estabeleceu no Brasil em 2003, pode ser um bom parâmetro para avaliação. A intenção original da Planeta, quando começou a flertar com o Brasil, em 2002, era fazer exatamente o que a Prisa-Santillana acaba de fazer: comprar uma editora aqui. Ela chegou até a negociar isso com algumas, mas a desvalorização do real acabou fazendo com que a editora optasse por um projeto mais modesto e se lançasse com sua marca própria.
– A decisão sobre o que é lançado não tem nenhuma ingerência espanhola. O interesse da empresa é formar um catálogo sólido e próprio no país, com autores nacionais.