Televisão
A microssérie Hoje é dia de Maria — que estreou no dia 11 de janeiro e terá apenas oito capítulos — trata-se de adaptação de um conto de Carlos Alberto Sofredini, sob a direção de Luís Fernando Carvalho, com um formato estético totalmente inovador e diferente na televisão.
A trama gira em torno da menina Maria, interpretada por Carolina de Oliveira (na foto ao lado de Asmodeu, personagem de Stênio Garcia), que sofre maus-tratos da madrasta e foge de casa em busca de liberdade, enfrentando seus demônios, suas guerras, seus medos, seus encantamentos e suas seduções. O percurso de Maria passa, assim, a metaforizar o percurso do herói em sua busca pelo conhecimento do mundo e de si.
Nesta estrada, a pequena Maria crescerá a cada encontro com elementos da dura realidade que é mostrada com todos os encantos das fábulas. Entre cantigas e folguedos, pindegas e susto-meninas, surgirão reluzentes cangaceiros, sombrias vítimas do trabalho infantil em carvoarias, índios em cerimônias dançantes e toda a sorte de manifestações dos contrastes sociais e da vasta cultura brasileira.
Estes são alguns dos recursos de argumento empregados na busca de uma identidade brasileira espelhada em nossa cultura de estrato popular e, por isso mesmo, um rompimento com o dominador hibridismo que a impregna e contamina com valores atrelados à lógica do sistema que produz entretenimento em formato industrial. Trata-se, até onde se viu, de criação de estrutura e linguagem televisivas novas para promover o resgate da cultura popular, tão esquecida entre nós brasileiros, como espelho genuíno de nossa diversidade e identidade .
A estrutura narrativa da microssérie baseia-se na tradição oral e os personagens apresentam uma dicção que parece a soma de todos os regionalismos nacionais. Um pós-roseano falar de entontecer e deixar muita gente sem entender algo aqui, algo acolá. Trabalho redobrado para o grande elenco escalado para este desafio de tramar e urdir uma fala verbal, gestual, corporal e comportamental que extrapole qualquer possibilidade de estereotipação.
Uma inovação de linguagem televisiva que o diretor introduziu foi os personagens conduzirem as posições das câmeras. O fabuloso cenário foi todo feito no interior de um estúdio especialmente montado na Rede Globo e consegue traduzir este microcosmo do tamanho do macrocosmo que é o mundo de Maria. Os inusitados bonecos de madeira que contracenam com a menina são manipulados pelo grupo Giramundo. É engraçado notar como seres não-vivos conferem tanta vida à cena e propiciam tanta interação com os personagens e com os telespectadores.
Já era hora de a televisão ousar e inovar, rompendo com as mesmices de programações copiadas aos padrões hegemônicos da indústria cultural americana ou da já conhecida e sempre reeditada tradição da teledramaturgia brasileira. Ter espírito inovador e levar aos telespectadores uma crescente brasilidade para a construção de uma nação associada a uma ideologia de heterogeneidade, valorizando a diversidade, é exercício pleno da função social da televisão.
Por Luís Fernando Araújo