O Grupo Bandeirantes de Comunicação decidiu dificultar a vida das Organizações Globo nos processos de fusão das operadoras de TV paga Sky e DirecTV e na compra de parte da Net pela telefônica mexicana Telmex.
Há cerca de 40 dias, a Band se habilitou nos dois processos, que correm na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), e que serão julgados pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão ligado ao governo federal que disciplina a concorrência. Assim, a Band entra como terceira parte nos processos e poderá oferecer e contestar provas e solicitar documentos.
João Carlos Saad, presidente da Band, afirma que a fusão Sky/DirecTV cria um “monopólio” no serviço de TV via satélite, também conhecido como DTH (de “direct to home”). Juntas, Sky e DirecTV, agora sob o controle da News Corp., do magnata Rupert Murdoch, possuem 95% dos assinantes desse serviço.
No caso da Net/Telmex, Saad denuncia a “desnacionalização” de um serviço, o de TV paga via cabo, em que a legislação brasileira limita o capital estrangeiro a 49% da participação societária.
Para viabilizar a associação, Globo e Telmex criaram uma empresa, a GB Empreendimentos e Participações. A Globo tem 51% das ações ordinárias (com direito a voto) da GB, e a Telmex, 49%. A mexicana ficou com todas as ações preferencias (sem direito a voto, mas com prioridade no recebimento de lucros) da GB.
A GB ficou com 51% das ações com direito a voto na Net. A Telmex adquiriu 37,3% das ações ordinárias e 49% das preferenciais da Net. Somadas as participações, a Telmex acumula mais de 60% do capital total da Net. A Anatel e a Globo afirmam que a operação está dentro dos parâmetros legais brasileiros, porque o controle permanecerá com a brasileira Globopar [holding da Globo, que é majoritária na GB].
Tanto na fusão Sky/DirecTV como na compra de parte da Net pela Telmex, a Globo perdeu participação acionárias nas empresas. Mas se livrou de parte de pesadas dívidas e manteve o controle sobre o conteúdo nacional distribuído pela Net, Sky e DirecTV.
É aí que as operações afetam diretamente a Band. O grupo paulista, que possui rádios, duas redes de TV aberta e três canais pagos, reclama que não consegue distribuir seu conteúdo na Net e na Sky. Seus canais BandNews e BandSports estão na DirecTV, mas tendem a sair dela, porque a operadora vai desaparecer, migrando seus assinantes para a Sky.
Hoje, os canais da Band atingem 1,1 milhão dos 3,8 milhões dos assinantes de TV paga no Brasil. Mantido esse cenário de controle pela Globo do conteúdo nacional de Net, Sky e DirecTV, a Band perderá espaço. Hoje, as três operadoras somam 2,8 milhões de assinantes (75% do mercado).
A reclamação da Band de que é barrada pela Globo na Net, Sky e DirecTV também é feita pela MTV, do Grupo Abril. A MTV planeja lançar novos canais, de música e de humor, mas tem dúvidas se o fará porque teme não ter mercado suficiente. Nem a TV Rá-Tim-Bum, o único canal pago infantil brasileiro, da TV Cultura, consegue entrar na Net. A Globo nega que barra canais de programadoras que não seja a sua Globosat.
Há dois meses, a Band lançou seu terceiro canal pago, o rural Terra Viva, que transmite ao vivo durante dez horas por dia. Mesmo sendo oferecido de graça às operadoras, o canal foi rejeitado e só não se tornou inviável porque está na chamada banda C, faixa de freqüências via satélite captada por antenas parabólicas comuns, sem custo ao telespectador. E o canal sobrevive da receita de leilões de gado que transmite.
A recusa do grupo Globo ao Terra Viva impulsionou a Band a entrar nos processos que serão julgados pelo Cade. Nessa batalha junto a órgãos do governo, a Band já sofreu sua primeira derrota. A Anatel se recusou a fornecer cópia integral de despacho da agência que concedeu anuência prévia à operação Net/Telmex, que, para a Band, desrespeita a lei brasileira.
A Anatel argumentou que o processo tramita em “tratamento sigiloso”. Isso levou João Carlos Saad a enviar uma carta, no último dia 19, ao presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, em que pede “providências cabíveis no sentido de impor à agência o dever de cumprir a lei e demais obrigações regulamentares do serviço público”. Na carta, Saad afirma que os principais serviços de TV paga do país estão nas mãos de estrangeiros.
“A TV paga no país vive um drama de distribuição que vai levar à asfixia do setor”, disse Saad à Folha. “A Argentina tem muito mais canais nacionais do que o Brasil porque lá não há essa concentração. Nosso modelo é errado, caro, baseado na programação de fora. Estamos num deserto em que só um [a Globo] grita, diz que é bonzinho, que defende a cultura brasileira, mas na verdade a destrói”, afirmou.
Saad diz que tentará todos os “ferramentais” possíveis para tentar barrar a compra da Net pela Telmex. Vai apelar também ao Ministério das Comunicações. “Tenho esperanças de que o Ministério das Comunicações e a Anatel revejam isso”.
No caso da operação Sky/DirecTV, o empresário considera impossível evitar a fusão do ponto de vista econômico, uma vez que há muito capital em jogo. Mas o Cade pode impor contrapartidas à fusão, como a obrigatoriedade de a nova superoperadora distribuir mais canais brasileiros e de o grupo News Corp. abrir espaço a programadoras do Brasil em suas operadoras em outros países. A Band pedirá isso ao Cade.
“Esse monopólio tem que estar aberto. Nós temos que brigar, equilibrar a distribuição de canais. Se não tivermos densidade, vai chegar um dia em que só teremos acesso à opinião de um grupo”, diz Saad.