O brasileiro é um povo esplendidamente musical.
Mário de Andrade, Ensaio sobre a música brasileira.
Com a intenção de manter viva a memória da música popular brasileira, com comando do crítico Ricardo Cravo Albin, estão reunidos em torno do Dicionário Albin da MPB.
O dicionário chega a marca de 5.000 verbetes e ninguém deve ficar de fora, de Padre Anchieta (considerado o primeiro compositor popular do país, com músicas para a catequese) e D. Pedro I (que fazia várias canções para a amante, a Marquesa de Santos) ao astro pop Marcelo Rossi.
As pesquisas se dividiram em cinco segmentos: samba, pagode e axé, o primeiro; rock, pop, reggae, brega e adjacentes; música regional (como a música caipira-sertaneja); das origens da MPB à bossa nova e, por fim, da bossa nova ao ano 2000. Cada seção tem 800 verbetes, cobrindo tudo ligado à MPB, das fontes primárias às manifestações contemporâneas, dos ritmos e instrumentos aos letristas e compositores.
O trabalho ressalta até o valor de ” bregas” como Odair José. O objetivo de Carlos Estevez, pesquisador chefe do dicionário que sozinho abarcou a seção do rock, pop, reggae, brega e música romântica, é falar sobre a música brasileira em geral, sem preconceitos.
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A importância da Música Popular Brasileira no cenário de nossa cultura é inegável. Pode-se constatar que a MPB, além de sua relevância como manifestação estética tradutora de nossas múltiplas identidades culturais, apresenta-se como uma das mais poderosas formas de preservação da memória coletiva e como um espaço social privilegiado para as leituras e interpretações do Brasil.
O prestígio de nossa música consolida-se em todo o mundo, podendo ser considerada como um dos símbolos de nossa gente, seus hábitos, seus fazeres, haveres e falares. A relevância de nossa produção musical necessita, ainda hoje, de uma reflexão crítica e teórica e de um trabalho historiográfico de fôlego que possam mapear, sistematizar, discutir e ler criticamente o seu vasto universo.
Por tudo isso, surgiu a idéia do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, o único exclusivamente dedicado à música popular do Brasil, iniciado em 1995 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), através do Departamento de Letras, e a Livraria Francisco Alves Editora, e tendo o apoio técnico da IES – Informática e Engenharia de Sistemas.
Em 1999, o projeto do Dicionário foi retomado pelo Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca Nacional. Em 2001, somou-se a todo este esforço a ajuda inestimável da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). No ano seguinte, a Brasil Telecom possibilitou a entrada do Dicionário no portal iBEST.
Cabe registrar a extraordinária valia, como fonte de pesquisa, que representou para todos os pesquisadores aqui envolvidos, a Enciclopédia da Música Brasileira (Erudita, Folclórica e Popular), trabalho pioneiro na área.
O Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira justifica-se não só pela possibilidade de tentar recuperar e consolidar a memória musical de nosso povo. Justifica-se, sobretudo, pela vontade de resgatar canções, nomes, períodos históricos e gêneros. Todos eles representam um marco em nossa História e símbolo de um imaginário social povoado de sons, versos, narrativas cotidianas e personagens que embalaram desde casos de amor até reivindicações políticas, quase sempre reinventando o dia-a-dia, traço essencial da maioria dos poetas da canção popular no Brasil.
Convém registrar que críticas assinadas por especialistas estão sendo acrescidas a alguns verbetes significativos para a história de nossa MPB.
Finalmente, faz-se necessário destacar que ainda dispomos de material significativo para análise e preparação e/ou aprimoramento de novos verbetes. Continuamos a receber de todo o Brasil e do exterior uma quantidade representativa de dados inéditos, entre informações novas, sugestões, retificações e adendos. Não se pode descartar todo este novíssimo material que chega diariamente à supervisão e coordenação do projeto, razão pela qual podemos afirmar que este é um trabalho que jamais terá um final, uma conclusão. Pesquisar a vastíssima e incessante produção musical popular brasileira representa uma tarefa de gerações. O Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, seja através de sua futura versão impressa ou através deste site, passa a ser o início de sistematização de um acervo material e imaginário de proporções gigantescas.
O Dicionário do Som Brasileiro
Este empreendimento pioneiro traz a assinatura e a legitimidade de Ricardo Cravo Albin. Nele, na sua personalidade intelectual, se reencontram e se reconciliam duas virtualidades sem as quais nenhuma façanha dessa natureza poderia ser levada a bom termo: a mais ampla liberdade de expressão e o rigoroso conhecimento de causa.
A cultura brasileira contemporânea, que se desdobra e não raro se divide entre o cultivado, o popular e a massa, consegue integrar criativamente esses três elementos hoje constitutivos. Quando divide menos e desdobra mais. Quando alcança estabelecer redes de cumplicidade criativas entre esses vários níveis que pareciam inevitavelmente desgarrados. Quando reúne, em uma espécie de assembléia geral permanente, diferentes falas e múltiplos sons, sentidos diversos, policromáticos, de uma cultura ostensiva e felizmente intercultural – aberta, mestiça, convivencial.
Ricardo Cravo Albin conseguiu realizar em tempo recorde este Dicionário modelar da MPB. E como o Aurélio, o Houaiss, traz consigo a marca do seu realizador, e com ela tudo o que essa marca significa de credibilidade.
Pensei mesmo em aceitar o convite de Ricardo Cravo Albin para escrever o verbete sobre o meu conterrâneo, e compositor de minha preferência, Assis Valente. Porém alguma sensatez, e a convicção de que não estava à altura do desafio, fizeram com que recuasse. Com isto o dicionário nada perdeu, e eu ganhei a paz que parecia ameaçada pela tentação da aventura temerária. Fico com a trilha sonora de Assis Valente, que me acompanha de há muito. E o Dicionário Albin MPB seguirá o seu caminho maior, entre a percussão e a repercussão, a mostrar e recordar a todos, aos muitos que já sabem, e aos poucos que precisam saber, o calor e o vigor da música popular brasileira.
Eduardo Portella
Membro da Academia Brasileira de Letras
(e Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, quando
este site ali foi inaugurado, em 7 de novembro de 2001)
www.dicionariompb.com.br