Os estúdios que já foram sede da primeira tentativa de se criar uma indústria cinematográfica no Brasil, a Vera Cruz, ainda carecem de um plano definitivo para sua preservação e revitalização (leia texto ao lado). Mas seu acervo já tem seu destino assegurado. O projeto Vera Cruz – A Preservação de um Patrimônio do Cinema Brasileiro, criado pela Ânima Cultural, prevê a restauração dos 40 longas-metragens de ficção e sete documentários que o estúdio produziu em cinco décadas de existência. Este acervo pertence atualmente à empresa Cinematográfica Vera Cruz, hoje comandada por Walter e Walfred Khouri.
Mais que restaurar, o projeto prevê a exibição dos filmes. “Nesta primeira fase, vamos recuperar os longas que fizeram parte dos tempos áureos da companhia, de 1950 a 1954. Conforme formos conseguindo verba, vamos restaurando os filmes e organizando exibições”, explica Sérgio Martinelli, autor do projeto.
Todo este empenho se justifica se analisada a importância da companhia, que foi praticamente a primeira escola de cinema do País. Fundada pelo engenheiro italiano Franco Zampari, em 1949, a Vera Cruz sempre teve sua história folclorizada como exemplo de fracasso. “Convencionou-se falar mal da Vera Cruz. E isso não foi só pela tentativa do Cinema Novo em se opor a conceitos preestabelecidos para afirmar seu novo movimento”, comenta Martinelli.
Mas a iniciativa de Zampari, que comandava o mesmo grupo responsável pela criação do TBC e do Masp, produziu 18 filmes em quatro anos (de 1950 a 1954), importou de equipe técnica a equipamentos altamente qualificados, elevou o nível profissional do mercado nacional, lançou subgêneros como o Filme de Cangaço e os Filmes de Caipira, além de formar atores que se tornaram ícones do cinema e da TV, como Tônia Carrero, Anselmo Duarte, Cleyde Yáconis e Paulo Autran.
Resgatar e preservar a memória da companhia é um projeto antigo de Martinelli. Ele é autor e organizador do livro Vera Cruz – Imagens e Histórias do Cinema Brasileiro, fruto do projeto Vera Cruz – O Mito e a História, que já resgatou cerca de 10 mil negativos da companhia e analisa seu papel para o cinema nacional.
Como já explicado pelo pesquisador, esta nova fase do projeto de resgate e preservação, além da restauração de 25 longas e quatro curtas da companhia, vai também recuperar documentos antigos. “Muitos filmes possuem negativos deteriorados. Vamos precisar utilizar as cópias, que também não estão em bom estado, e fazer internegativos novos, para, então, fazer novas cópias. Depois, todos estes filmes serão telecinados para o formato Betacam Digital”, explica. Entre os destaques, estão longas-metragens como O Cangaceiro, de 1953, de Lima Barreto, premiado em Cannes. “Este é o maior sucesso de público do cinema brasileiro de todos os tempos. Se Zampari não o tivesse vendido para a Columbia na época, o lucro com sua bilheteria, mais de 13 milhões de espectadores em todo o mundo, daria para ter pago todas as dívidas que a Vera Cruz tinha com o Banco do Estado e Zampari não teria precisado se desfazer do patrimônio”, diz Martinelli.
Além de O Cangaceiro, esta primeira lista de prioridades inclui Sinhá Moça, de 1953 – vencedor do Festival de Veneza – e Floradas na Serra, de 1954. Não poderia faltar Tico Tico no Fubá, de 1951, cinebiografia de Zequinha de Abreu, com Anselmo Duarte e Tônia Carrero, de Adolfo Celi. Também de Celi é a direção de Caiçara, de 1950, primeiro filme realizado pela companhia.
O passo seguinte do projeto será lançar vários destes clássicos em DVD. “Vamos aproveitar a demanda por vários títulos, como os filmes do Mazzaropi, que continuam sendo um sucesso, e lançar caixas temáticas”, conta Martinelli. Além disso, outras fotos e negativos serão catalogados e escaneados para o formato digital e farão parte de um grande banco de imagens em CD. “Para terminar, uma retrospectiva com os melhores filmes do acervo será realizada em um espaço já tradicional do cinema. Vamos também exibir vários filmes na TV Cultura”, conta o pesquisador. “Nosso principal objetivo é levar este acervo para o maior número de pessoas. Não só preservar como também divulgar esta produção tão rica.”
Se depender do apoio do público, o projeto já é um sucesso. Em março, quando foi realizada no Sesc Ipiranga a mostra Vera Cruz – Imagens e Histórias do Cinema Brasileiro, todas as sessões tiveram grande procura. Quem quiser apoiar o projeto, que já foi aprovado pela da Lei Rouanet e tem valor total de R$ 2.356 milhões, pode contatar Martinelli pelo telefone (11) 3746-5966.
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