Discussão dos Artistas, na Pauta: O Brasil

Como bem notou o produtor Luiz Carlos Barreto, a classe artística resolveu deixar de discutir só o próprio umbigo. A frase foi dita durante encontro  com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, no apartamento da produtora Mariza Leão e do cineasta Sérgio Rezende.

Dirceu falou durante quase três horas, assistido por cerca de 40 convidados, como o compositor Chico Buarque, o dramaturgo Augusto Boal, o ator Paulo Betti, o cantor Lulu Santos, a jornalista e atriz Scarlet Moon, os cineastas Andrucha Waddington e Roberto Farias e a atriz Maria Padilha. Em sua explanação, o ministro fez uma detalhada radiografia da situação em que o PT encontrou o Brasil — “O Estado brasileiro estava se desmilingüindo” — e narrou tudo o que o governo tem feito. A idéia partiu do presidente da Funarte, Antonio Grassi, que quer agendar agora reuniões da classe com os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Educação, Tarso Genro.

Ministro ressaltou amizade com Gil e Flora

A cultura não foi o prato principal do encontro. Grassi explicou que não era uma reunião de governo, e disse que a idéia era trazer à pauta outras discussões que não só a produção cultural. Dirceu frisou que não queria pôr o foco no assunto, ressaltando que é muito amigo do ministro da Cultura, Gilberto Gil, e de sua mulher, Flora:

— Falei para ela: “Não vai achar que eu vou conspirar contra vocês.”

Feitas as ressalvas — havia informações de que o encontro se transformaria num palanque de críticas a Gil, o que não aconteceu — o ministro acabou reconhecendo que a política do Estado brasileiro para a cultura é amadora, principalmente em relação ao cinema. Ele falou dos problemas nas várias áreas, mas admitiu:

— No caso da cultura, pelo estado de espírito do ministro, vai ter que resolver, senão vai virar uma crise. A hora é de aproveitar e fazer uma mobilização, um debate mais público, provocar alguma coisa. Está se chegando a um mal-estar muito grande. Há um sentimento de que as coisas não estão bem. Temos que pôr o dedo na ferida e vamos enfrentar o problema.

A produtora Gláucia Camargos observou que o governo PT passa a sensação de que a cultura não é vista como estratégica, no que foi endossada por outros convidados. Ela disse que o tema não pode ser encarado só como uma questão orçamentária. O ministro respondeu que o presidente considera as relações exteriores fundamentais, e o Itamaraty tem as mesmas queixas da cultura.

Depois que o ministro se foi, os convidados elogiaram a iniciativa — “foi a primeira vez que alguém do governo prestou contas a nós” — aplaudiram a franqueza com que ele falou do país e ressaltaram o fato de Dirceu ter reconhecido que o governo está agindo amadoristicamente em relação à cultura.

O ator e diretor Hugo Carvana disse:

— Ele nos deu uma deixa para um trabalho mais político, propôs isto nas estrelinhas. Balizou-nos: “Organizem-se e cheguem a nós.”

O diretor Paulo Thiago resumiu de outra forma:

— Ele apontou um norte: está faltando uma proposta de política cultural anexada a desenvolvimento econômico e integração latino-americana. O ministro frisou a importância de uma América Latina integrada.

Hora de deixar de lado propostas corporativas

Também ficou clara a importância de união entre as várias áreas culturais.

— Não temos que pensar segmentadamente nem fazer propostas corporativas — disse um dos presentes.

Os convidados ficaram impressionados com os dados fornecidos pelo ministro. Ele contou que o governo arrecada R$ 459 bilhões, mas 80% são para pagamento de pessoal, previdência e juros. No fim das contas, sobram pouco mais de R$ 11 bilhões para investir. Dirceu disse que o Brasil passou a ter planejamento, mas falou das restrições orçamentárias. Como a arrecadação não vai aumentar este ano e como o governo priorizou transferência de renda e reforma agrária, alguém vai pagar a conta do que vai faltar — e aí não é só a cultura que sofre, mas também ministérios como os da Agricultura, Turismo, Esporte e Minas e Energia. Diante dos imensos desafios que o país tem pela frente, confessou:

— Qual o meu estado de espirito hoje? Eu não consigo dormir tranqüilo.

No fim da noite, às 2h30m, os artistas foram para a cama elogiando a iniciativa, mas certos de que muitas reuniões ainda virão pela frente.

 

Compartilhar: