Secretário de Cultura:”Pagar dívidas é questão de honra”

 

Calil: “Pagar dívidas é questão de honra”

Há dois dias nomeado secretário municipal de Cultura, o cineasta Carlos Augusto Calil parece particularmente incomodado ao enumerar as diversas dificuldades que terá pela frente no comando da secretaria, deixada de maneira um tanto traumática pelo artista plástico e curador Emanoel Araújo, no domingo. Mas com fala firme e bem-humorada se apressa em ressaltar que neste momento quer passar uma sensação de tranqüilidade à população. Nesta entrevista exclusiva ao Estado, a primeira no cargo, o novo secretário fala um pouco dos bastidores do convite feito pelo prefeito José Serra para que assumisse a secretaria, do polêmico pedido de demissão de Araújo, das suas primeiras impressões sobre a complexa estrutura cultural da cidade e sobre como pretende usar sua experiência de gerenciamento em meio às diversidades – na direção da Embrafilme, em pleno período militar (1979-1986), e recentemente no Centro Cultural São Paulo – para desatar os nós que o aguardam.
Está decidido quem ocupará a vaga deixada pelo sr. na direção do Centro Cultural São Paulo?

Não pensei nisso ainda. O Centro Cultural é o menor problema que eu tenho no momento. Conheço a equipe de lá que, por enquanto, pode ir trabalhando sozinha. Parei algumas coisas, que devo retomar pessoalmente em breve ou em conjunto com o quem assumir a direção. Há outros cargos que preciso preencher com urgência, como a direção do Departamento do Patrimônio Histórico. Já está decidido, por exemplo, que Luiz Francisco Fernandes e Jamil Maluf ficarão em seus postos, nas diretorias da Biblioteca Mário de Andrade e do Teatro Municipal, respectivamente.

O sr. já tem definida alguma prioridade para os próximos meses?

Não existe prioridade única. Preencher os cargos é uma delas. É também questão de honra pagar as dívidas da secretaria, que eu ainda não sei ao certo quanto são. O prefeito Serra e o secretário de Planejamento estão de acordo com isso. É muito constrangedora a situação da secretaria. Para se ter uma idéia, tem gente que deu palestra no Centro Cultural em setembro e tem R$ 400 para receber. Num sentido mais amplo, há ainda a necessidade de formularmos uma política cultural para a cidade. Precisamos entender qual é nosso papel, o que se espera de nós e o que nós podemos induzir na área de cultura da cidade. É preciso recuperar o diálogo com os artistas, mas lembrar que a Secretaria da Cultura não é a “secretaria dos artistas”, que há outras demandas. Outras questões são a do Museu da Cidade e do Museu Afro, que ficará sem dinheiro a partir de julho.

Chama a atenção na cidade o estado lamentável em que se encontra a Biblioteca Mário de Andrade .

Sim. Tenho dito que devemos recuperar os equipamentos da cidade, como a Biblioteca Mário de Andrade e o Teatro Municipal. Lamento que a gestão Marta não tenha recuperado completamente a Mário de Andrade e o teatro também.

Neste contexto, o Centro Cultural teve melhor sorte, porque a sua gestão ali conseguiu fazer muita coisa.

O Centro Cultural ficou um pouco à margem da administração municipal, porque tinha uma certa autonomia e foi se arranjando. Mas sua revitalização não terminou, é preciso concluí-la.

Em entrevista ao ‘Estado’, o diretor da Mário de Andrade disse que pretende iniciar uma conversa para que a biblioteca tenha mais autonomia dentro do organograma da administração. O sr. apóia a idéia?

Claro, estes três equipamentos da Prefeitura – a Mário de Andrade, o Teatro Municipal e o Centro Cultural – precisam de uma autonomia minimamente maior do que a que têm hoje. Eles estão muito sujeitos às chuvas e trovoadas da secretaria. Mas vamos fazer isso sem um grito de independência ou morte, claro. Ali, poderíamos ter também uma aproximação maior com a sociedade, por meio de conselhos. Isso serve como um escudo para a instituição atravessar os problemas da política com mais estabilidade.

O sr. traz para a secretaria a experiência de quatro anos vivendo com pouquíssimos recursos no Centro Cultural. Como acha que aquele trabalho pode ajudá-lo agora, uma vez que, em maior escala, vai continuar convivendo com a falta de dinheiro?

Fazer o bom, bonito e barato. Nunca haverá dinheiro suficiente, mas as coisas fundamentais têm de ser feitas. Não dá para se sentir desestimulado por isso. Não posso concordar, por exemplo, com a situação da Biblioteca Mário de Andrade.

A manutenção da Galeria Olido é outro problema. O espaço corre o risco de fechar?

Ela não tem dotação orçamentária, nem funcionários suficientes, e pode fechar a partir de julho. Enfim, há muitos problemas. Foi isso que desgastou o Emanoel, eu acho. Não é só a galeria, o prédio todo é muito caro. Por enquanto, não consegui pensar numa solução, só pude arrepiar ao saber o valor do aluguel – R$ 347 mil por mês. Está atrasado 3 meses. A situação é muito grave.

O sr. é cineasta, foi diretor da Embrafilme, da Cinemateca. O que o cinema paulistano pode esperar de um secretário que é íntimo da área?

O próprio prefeito me disse que gostaria de produzir filmes e me encomendou um projeto deste tipo, como há hoje para o teatro. É uma coisa fácil de formular. Mas enquanto eu não não souber dos recursos da secretaria, com quanto eu posso trabalhar, não tenho como fazer. Tenho a impressão de que até o fim deste semestre estarei mergulhado em questões internas da secretaria.

A continuidade da Lei de Fomento ao Teatro foi uma das discussões que marcaram a passagem de Emanoel Araújo pela secretaria.

Ela vai continuar. A idéia de subsidiar companhias para que elas funcionem é boa. Mas vamos selecionar melhor os que vão receber, pelo critério do mérito.

E a Lei Mendonça?

Conversei com o Serra muito rapidamente sobre isso. Mas já podemos dizer que ela deve permanecer e ser aprimorada. Vamos tentar direcionar o dinheiro para quem tem um projeto inovador e deixar aqueles que o mercado se encarrega de sustentar. São pequenos ajustes que precisam ser feitos. Mas vamos pagar as dívidas, acho que este ano só vai dar fazer isso. Então, no segundo semestre, seria aberto um novo edital, para projetos a serem realizados no ano que vem.

Uma das prioridades de Emanoel Araújo era encontrar um lugar para o acervo da Pinacoteca Municipal, que estava justamente sob seus cuidados, no Centro Cultural. O sr. tem idéia do que pode ser feito?

Durante dois anos, tentamos viabilizar a criação da Pinacoteca Municipal. Tínhamos sugerido que as obras fossem para o prédio da Prodam (no Parque do Ibirapuera) ou para onde hoje está o Museu Afro (Pavilhão Manoel da Nóbrega, também no parque). Agora, o prefeito me disse que está decidido que o Ibirapuera será um lugar exclusivo da cultura e lazer. Mas tirar o Detran e a Prodam de lá é complicado. Há muitos equipamentos, muita fiação. A questão é saber se, depois, quem vai ocupar aqueles espaços – se o MAM ou a Pinacoteca. Vai depender de quem tiver o dinheiro. Até porque não vejo de onde tirar os R$ 20 milhões que são necessários para a recuperação do prédio da Prodam.

E a disputa pela Oca?

A idéia de que o Ibirapuera deve ser usado para os equipamentos culturais me parece muito boa. A Oca deve ser usada para a cultura, com certeza, mas ela pertence à Secretaria do Meio Ambiente. Mas não há uma disputa. Podemos fazer ali uma gestão compartilhada. O Emanoel tinha para ela a idéia de que seria uma espaço para as grandes exposições em trânsito na cidade, não para um acervo fixo. É uma boa idéia, e o prefeito Serra concorda com ela.

O ex-secretário tem mostrado receio com relação ao futuro do Museu Afro. O museu ou a gestão de Emanoel ali corre algum risco?

O Museu Afro é um museu da cidade. Nem o Museu deve sair de lá nem o Emanoel. A questão é resolver a partir do fim do patrocínio da Petrobrás, que termina em julho. O Emanoel sabe que o problema é este. Mas a vontade é mantê-lo, claro.

Então, podemos dizer que não fica nenhuma mágoa da Prefeitura ou da secretaria com o ex-secretário?

Creio que não ficou nenhuma mágoa, nem na secretaria nem no governo. Acho que houve um desapontamento mútuo. Estou tentando entender o que houve com o Emanoel. Tenho impressão que ele, que se pauta pela beleza, encontrou pouca beleza aqui. O gabinete é feio, o orçamento é feio, a burocracia é feia. Ele precisa de beleza para trabalhar.

Quando o sr. recebeu o convite para assumir a secretaria?

O prefeito fez a primeira sondagem no domingo. Eu nem sabia que o Emanoel era demissionário. Serra já sabia que Emanoel havia mandado uma carta de demissão para a imprensa. Disse que se isso fosse confirmado, não haveria como voltar atrás. Mas que se fosse boato, ele tentaria demovê-lo. A publicação da carta foi irreversível.

O sr. pediu alguma garantia ao prefeito para aceitar o cargo?

Pedi a ele que honrássemos as dívidas. Agora, as questões políticas se desdobram com o tempo. O Emanoel estava preocupado com os museus do futebol e da criança. O Museu da Criança, na verdade, não é um museu. A idéia é que seja um espaço para a criança, que não será subordinado à Secretaria de Cultura. E o do futebol é da Secretaria do Esporte. Talvez o Emanoel, com o talento que tem para fazer museu, quisesse contribuir nisso. Talvez tenha havido um pouco de mal-entendido. Não tudo, mas um pouco de mal-entendido.

O sr. vem da gestão de Marta Suplicy. É difícil transitar entre PT e PSDB?

Olha, eu trabalhei com a ditadura militar, imagine a minha situação. Quem trabalha com a cultura, é do partido da cultura. A pior coisa que pode acontecer com a cultura é estar a serviço da política. Na cultura o nosso papel é questionar os instrumentos do poder. A arte não é transgressão? Dei uma entrevista e disse que votei na Marta, o que logo foi estampado nos jornais. O que eu não disse é que o prefeito não me perguntou em quem eu votei.

 

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