Odete Lara sem dúvida merece ser lembrada: passou pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), atuou em telenovelas de vanguarda da extinta TV Tupi, subiu aos palcos ao lado de Chico Buarque e Vinícius de Moraes e foi considerada a musa do Cinema Novo. Porém, há mais de 30 anos decidiu converteu-se ao budismo, abandonando a vida pública ao optar pelo ‘exílio’ na região serrana de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Na tentativa de compreender a si mesma e ao mundo, suas inquietações e descobertas neste período de reclusão são o tema de ‘Vazios e plenitudes – reflexões e memórias’, uma obra autobiográfica que será lançada este mês pela Editora Prumo.
Na primeira parte da obra, Odete compila uma série de reflexões que podem ser lidas sem compromisso com a linearidade das páginas. São 42 textos, que recebem títulos como “Morte temporária”; “Que foi feito das mulheres de minha geração?”; “A falência das palavras”; “Diálogo com a morte”; “Redescoberta”; “Um outro mundo é possível” etc. Já a segunda parte do livro é dedicada a três viagens que tiveram grande importância para a autora: Turquia, China e Tibete, e Escandinávia.
A cada texto o leitor é convidado a compreender que o budismo e os dogmas zens não levaram Odete à felicidade, mas se tornaram ferramentas para uma busca eterna; eles não a livraram das inquietações, assombros e medos. “Rogo mesmo quando a lucidez me põe de tal forma em contato com o vazio, que o medo de enlouquecer faz com que eu entre em pânico, querendo voltar ao terreno familiar do dia a dia”, confessa no texto “Dialogando com Clarice”, que escreveu após a leitura de A descoberta do mundo, de Clarice Lispector.
Por isso, o tempo retratado na obra é o momento presente, que está acima das diferentes ocasiões, lugares e situações em que foram escritas as confidências. “De fato, quando consigo realizar a façanha de me situar no momento presente, seja ele qual for, o vazio se transforma em plenitude”. Sobre os motivos de sua dedicação à escrita, Odete explica que: “Creio que [escrevo] por necessidade de me expressar e por ser esse o meio que melhor atende ao apelo interior de recolhimento”.
Já sobre os propósitos do afastamento em que vive, Odete recorre às palavras do monge trapista Thomas Merton: “Você se torna uma pessoa inteiramente marginal a fim de romper a superficialidade inevitável da vida social. Isso vem a ser uma certa solitude, estar à parte da maioria, não contar com o conforto de vários ídolos sociais, não depender da aprovação dos outros”.
Vazios e plenitudes – reflexões e memórias apresenta instantes extremamente humanos, quiçá demasiado humanos, de uma grande atriz, que no auge de sua carreira abdicou do trono público para se tornar rainha de sua trajetória. Para o poeta Marco Lucchesi, que escreveu a apresentação da obra, “o itinerário de Odete é uma verdade luminosa e áspera. Um vigor. Uma fragilidade. Pedra e nuvem. Amo-lhe os contornos e, sobretudo, o instante que vive agora. A vasta geografia do silêncio e os tesouros inefáveis de seus confins”.