Por Walmor Marcellino
Passados 40 anos do golpe militar que cassou a cidadania brasileira e entronizou no governo nacional a escória burocrático-militar dos oportunistas e carreiristas a serviço de qualquer interesse supranacional, ainda se vêem setores da chamada esquerda política lavrando panspermia de textos “históricos”, para avocar-se a condução da intelligentsia democrática afrontada pela ditadura e resistente a suas insinuações programáticas.
Esse panegirismo continua, agora com depoimentos do deputado Roberto Freire, espoliário dos documentos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e herdeiro de Sebastião Malina et alii.
Sem desejo de participar dessas deformadas ações historicamente democráticas, heróicas ou proletárias à feição dos autobiógrafos, faço supinas considerações sobre o senso crítico que aprendemos a respeito de atitudes e movimentos políticos.
Em primeiro lugar, de um ponto de vista objetivo, os atos políticos são necessidades praticadas pelos que se dispõem a agir: podem ser muito, meio ou pouco produtivos, ou improdutivos. Aos analistas podem parecer e ser adequados ou não conformes ao objetivo, corretos ou não segundo paradigmas. Do ponto de vista político ou subjetivo, são reflexo da compreensão e do poder das forças que os realizam; na maioria dos casos, só atestados ou avaliados posfacto.
No movimento social, os empenhos e as lutas se realizam sob a possibilidade de conservação e mudança, evolução ou involução, elevação, regressão ou degeneração (em relação com as metas e objetivos ou com a propulsão e idealização dos autores), sob a dialética das contradições e antagonismos, dos agentes e seus opositores. Qualquer ação pode ocasionar mudanças ou perder-se nesse intento; podendo até produzir efeito oposto ao pretendido.
A disputa econômica pode evoluir para luta política; a demanda social virar conflito violento; os pedidos, pleitos e requerimentos podem chegar aos socos, tiros e ações armadas. Assim, são as ações tentadas, medidas e desmedidas; reguladas apenas pela força dos impulsos e pela resposta do poder. Esta preliminar se torna necessária para esclarecer coisas que já sabemos de muito, porém o oportunismo estentóreo vem insistindo em caracterizar e avaliar “como deveriam ser as ações de resistência” ou “como normatizar as ações políticas”. Na presente pauta, frente à ditadura burocrático-fascista.
Devem os homens conspirar em silêncio, com máxima discrição, para obter seu maior resultado, ou devem protestar civicamente aos gritos e impropérios? Devem conversar e desconversar o seu descontentamento ou manifestar sua contradição e agir com coragem e abnegação? Só um estúpido pode brincar assim de hermeneuta do processo político. Mas foi e tem sido exatamente esse dilema que esse oportunista político jungido à Fundação Roberto Marinho (publicista que ajudou a perpetrar o golpe de 1964) quer erigir como dialética em seu “padrão de eficácia política”.
Não parece haver dúvida é de que certa radicalização ideológica na luta pelas reformas sociais, no recrutamento de militantes para a burocracia sindical, na incorporação das lutas sociais e na insinuação de estar-se apropriando da ação do Poder do Estado promoveu o PCB a “autor e dirigente das lutas sociais brasileiras das décadas de 40 a 60”. E mesmo quando, depois de 1954, reduzido a sua condição limitada e crescentemente fragmentária, ficou sendo a fonte visível da principal guerrilha ideológica pelas reformas de base.
O golpe de 1964 desmascarou sua força política, mostrou seu oportunismo nacionalista e sua estrutura sindical déclassée. Aos defensores da reformas de base, aos democratas e nacionalistas ficou evidente o espírito burguês e oportunista do PCB, e então a luta contra a ditadura burocrático-militar teria de organizar movimentos de resistência e/ou partidos políticos que representassem efetivamente as forças do trabalho e da revolução brasileira.
E desde aí a repressão fascista se abateu sobre todos os que resistiam objetivamente a seus desmandos; sobre todos os que se organizavam para as lutas. E até mesmo desabou sobre aqueles que se reuniam para “conversar sobre a chama perdida e divagar sobre um socialismo, ao “modelo de Ghandi”. Assim foram também vítimas do facínora-coronel Ferdinando de Carvalho: presos, torturados e assassinados esses “inofensivos conspiradores para um futuro promissor”.
Vai correndo aos trancos e contrafações a necessária e sofrida tentativa de escrever a história do movimento libertário do trabalho, a história social do funcionamento das instituições nacionais que penosamente vinham sendo construídas desde 1945. Uma “nova história oficial” vai-se tornando a negação daquela que engendrada pela intelligentsia fascista e burilada às mãos pendentes da burocracia acadêmica, na autoria dos vencedores.
Todavia, à falta de debates que comprovem os estudos e análises debulhados a esmo ¾ muitos dos quais oriundos das áreas especializadas de política, história e sociologia ¾, um vezo jornalístico espetacular vai acolhendo esse discurso oportunista com especulações de filosofia política e remissão à história dos crimes da ditadura militar.
07/04/2005
(Walmor Marcellino é jornalista e escritor.)