Graciliano Ramos e o Partido Comunista – Artigo de Clóvis Moura*

graciliano_ramos Liberais e revisionistas procuram apresentar o intelectual como um elemento “independente”, indisciplinado e neutro. Graciliano Ramos mostrou, com sua vida e com suas obras, a falsidade desta idéia. Homem de Partido, e exatamente por isto, destacou-se como um dos intelectuais de maior prestígio em nosso país.

 

Muito já foi especulado, por parte de setores desligados da realidade, sobre o que foi o comportamento do escritor Graciliano Ramos em relação ao Partido Comunista do Brasil do qual era membro. Para muitos, ele tinha apenas uma vinculação simbólica com o mesmo, mas, no fundamental, estava desvinculado da sua proposta política revolucionária. Graciliano Ramos – que eu conheci e com o qual conversei muitas vezes sobre o assunto – era, no entanto, um comunista, certo de que aquela ideologia, que ele sabia ser o veículo de libertação da classe operária, somente poderia ser transformada em realidade através de um instrumento político que seria o partido.

Muitas vezes, setores liberais ou revisionistas tentam apresentar a imagem de Graciliano Ramos como a de um anarcóide, despido de qualquer espírito de disciplina, intelectual que se considerava acima do bem e do mal.

Nada mais errôneo. Graciliano Ramos foi um escritor que aceitava o partido como o instrumento político capaz de transformar a sociedade e criar como realidade tudo aquilo que hoje existe apenas como possibilidade para os exploradores.

Essas especulações de possíveis áreas que se dizem “esquerdistas” ou marxistas querem, no entanto, capitalizar para a sua postura anti-revolucionária o legado e o prestígio de Graciliano Ramos. Ele foi, com todos os elementos de conhecimento e sensibilidade, um escritor que reconhecia o Partido como o instrumento capaz de conduzir politicamente a revolução brasileira. Em vários momentos isto ficou claro até a sua morte. No sentido de restaurar a verdade, no momento em que tantas calúnias são apresentadas como verdade boa e autêntica, e tantas posições verdadeiras são escondidas no sentido de apresentar as calúnias como paradigma da verdade e a verdade como componente de uma pseudo-mentira, vale a pena transcrever um documento pouco conhecido no qual Graciliano Ramos define o Partido Comunista como o partido da classe operária, num momento em

que poucos intelectuais tinham possibilidades de fazê-lo. Partindo da análise de uma posição equivocada de José Lins do Rego, por sinal seu amigo pessoal, Graciliano Ramos apresenta o painel daquilo que representavam os outros partidos ou agrupamentos políticos em relação ao Partido Comunista e a necessidade de existir um partido revolucionário da classe operária.

Graciliano aproveita-se de um momento de reflexão de José Lins do Rego para, através dessa tomada de consciência critica, reanalisar o papel e a função de um partido revolucionário, estabelecendo as diferenças fundamentais e, ao mesmo tempo, estruturando uma posição política revolucionária para a intelectualidade.

Por tudo isto, Graciliano Ramos, apesar de sua posição crítica em relação a algumas posições táticas do Partido, jamais deixou de considerá-lo aquele instrumento político-ideológico que irá realizar a revolução brasileira. Esta pequena nota introdutória somente tem explicação pelo fato de que iremos, agora, transcrever o documento abaixo no qual, criticando uma posição cética, de intelectual reformista, apresenta, como contrapartida, a proposta do Partido Comunista do Brasil como aquela capaz de transformar nossa sociedade para formas mais fraternais de convivência humana. Um texto para análise política de todos aqueles intelectuais que desejam a existência de um movimento e um partido que reflitam e protejam a revolução no Brasil.

 

clovis-moura1* Presidente do IBEA (Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas), historiador e diretor da União Brasileira dos Escritores (UBE).

 

A opinião de Graciliano

 

“O meu prezado José Lins, romancista José Lins do Rego, teve há dias, em artigo da imprensa vespertina, um grito de sinceridade, natural no homem que forjou o Ciclo da Cana-de-Açúcar e a figura inesquecível de Vitorino Papa-Rabo. Esse grito deve ter ecoado – longe – e é inútil mencionar tudo quanto encerra o artigo, certamente lido com amargura e raiva por muito político vaidoso.

É a confissão espontânea de que o Partido a que se filia o escritor ruiu fragorosamente por ser uma confusa mistura de paixões e interesses diversos. Andou às “tontas”, “sem contato com as massas” e, “num pleito livre, admirável espetáculo de civismo”, perdeu em vinte e quatro horas todos os sonhos acariciados em longos meses de cegueira voluntária, cegueira que o autor de Bangüê, depois dessa louvável franqueza, tenta inexplicavelmente prolongar.

Aí José Lins se embaraça em contradições. Afirma que só os comunistas têm um “plano estabelecido, com palavras-de-ordem, firmeza de ação para determinar fins”. “Esses homens são um bloco e rolam como um bloco sobre os fatos”.

Que devemos concluir? José Lins diz quatro vezes que essas forças batidas representam a democracia – asserção duvidosa – e conclui:

“Por tudo isso, cada vez mais se faz urgente a fundação de um partido democrático que una o Brasil, que seja o verdadeiro amigo do povo, um complexo de idéias generosas, de compromissos com a dignidade humana, sem sectarismo, a bem de nossa terra e de nossa gente”.

Reproduzi o período inteiro, a fim de notarmos a incongruência do nosso querido romancista. Quem vai estruturar esse partido? Naturalmente os mesmos homens que se revelam agora incapazes, com certeza pouco dispostos a visitar favelas, pichar muros, viajar centenas de léguas para dizer quatro palavras a algumas dúzias de operários. Assevera José Lins que apesar de terem os “melhores propósitos, a consciência limpa”, não conseguiram chegar às massas.

Como poderiam chegar? Não nos interessam os bons propósitos e a consciência limpa de certos privilegiados que rodam nos automóveis, infinitamente longe de nós. Basta que um desses cavalheiros, em momento de enjôo, se refira à canalha dos morros, à malta dos desocupados para se desvanecerem todos os bons propósitos. Vivem na superfície, reciprocam amabilidades, incham em demasia – e supõem que atrás deles há multidões emboscadas esperando milagres impossíveis. Nesse período citado integralmente, José Lins, depois de ter sido tão honesto, cai na demagogia e nas promessas vagas. “Um partido que seja o verdadeiro amigo do povo, um complexo de idéias generosas, de compromissos com a dignidade humana”. Linguagem diferente da linguagem ordinária do criador de Fogo Morto. Palavras, nada mais.

Isso que José Lins deseja fundar, sem indicar os meios, já existe, segundo ele próprio declara:

“Só o Partido Comunista foi um órgão inteiriço em todo o território nacional”.

Diabo! Não é suficiente? Ou será que não somos amigos do povo, não possuímos idéias generosas nem dignidade humana? José Lins não admite semelhante coisa. Observador por índole e por ofício, sabe perfeitamente isto, o único amigo do povo é o povo organizado; temos idéias bem claras, e as idéias generosas dos amigos da onça nos deixam de orelha em pé; a nossa dignidade é pouco mais ou menos igual à dos outros bichos que a humanidade produz.

Sinto discordar do meu velho amigo José Lins, grande cabeça e enorme coração. Discordo. Penso como Vitorino Papa-Rabo, notável sujeito que deixou de ser personagem de romance e a esta hora deve fazer discursos numa pequena célula remota. no interior da Paraíba.

 

9 de dezembro de 1945″.

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