Quando Getúlio Vargas assumiu a presidência da República em janeiro de 1951, o Brasil já não era o mesmo de seis anos antes, quando terminou o Estado Novo. O país vivia agora uma democracia com vários partidos representados no Congresso, havia maior diferenciação na estrutura de classes, e o debate sobre o desenvolvimento econômico mobilizava politicamente vários setores da sociedade.
Durante os três primeiros anos de governo, Vargas enfrentou inúmeros problemas internos e externos. Seu primeiro ministério tentou contemplar as diversas forças políticas que o haviam apoiado nas eleições presidenciais em outubro de 1950, e a política econômica adotada por seu governo também resultou da tentativa de conciliação entre as principais tendências de desenvolvimento econômico então existentes. Contudo, a oposição, representada no setor civil pela União Democrática Nacional (UDN) e, no setor militar, pela Cruzada Democrática, era implacável.
Em fevereiro de 1954, o governo, às voltas com grave crise econômica, política e partidária, viu-se diante de mais uma dificuldade: 82 coronéis e tenentes-coronéis, ligados à ala conservadora do Exército no Rio de Janeiro, assinaram um manifesto que ficou conhecido também como Memorial dos Coronéis. Nesse memorial, elaborado no dia 8 de fevereiro e divulgado na íntegra pela imprensa 12 dias depois, os coronéis alardeavam a “deterioração das condições materiais e morais” indispensáveis ao pleno desenvolvimento da instituição, cujo ” perigoso ambiente de intranqüilidade” se ampliava. Os coronéis conclamavam seus superiores a promover uma “campanha de recuperação e saneamento no seio das classes armadas”, com o firme propósito de restaurar os “elevados padrões de eficiência, de moralidade, de ardor profissional e dedicação patriótica, que (…) asseguravam ao Exército respeito e prestígio na comunidade nacional”.
O memorial protestava principalmente contra o descaso do governo em face das necessidades do Exército, relativas, por exemplo, à precariedade das instalações em todo território nacional, ao reequipamento das unidades, cujo material bélico era em sua maioria obsoleto, e ao reajuste salarial dos militares do Exército, em “eterna disparidade” em relação às forças armadas de outros países. Nesse sentido, teciam sérias críticas ao aumento de 100% do salário mínimo proposto por João Goulart, ministro do Trabalho recentemente nomeado.
Para os militares signatários do manifesto, além de alimentar a inflação, o aumento de 100% do salário mínimo significava um desprestígio para as Forças Armadas, e “uma aberrante subversão de todos os valores profissionais”, uma vez que sua equiparação ao salário de um oficial graduado estancaria “qualquer possibilidade de recrutamento, para o Exército, de seus quadros inferiores”. Tal desprestígio, argumentavam eles, funcionaria também como elemento facilitador da ação dos comunistas.
O manifesto teve ampla repercussão nos meios políticos e militares, provocando a reação imediata do governo, que substituiu os ministros da Guerra e do Trabalho, Ciro do Espírito Santo Cardoso e João Goulart, ambos identificados com a política nacionalista de Vargas. Em seu lugar assumiram, respectivamente, Zenóbio da Costa e Hugo de Faria. Em 10 de maio, todavia, Getúlio anunciou, em discurso inflamado, o novo salário mínimo, nos termos propostos pelo ex-ministro João Goulart. A partir daí, a oposição civil e militar retomou o movimento conspiratório que desembocaria na crise de agosto e no suicidio do presidente.Célia Maria Leite Costa