Manuel Bandeira: Os amores de Bilac

Todos nós conhecemos o Manuel Bandeira poeta. Mas o escritor pernambucano teve também um curioso trabalho como crítico literário. Em 2008, nos 40 anos da morte de Bandeira, diversos artigos de sua autoria foram reunidos em livro pela primeira vez. Um desses textos, de 1963, resenhava Vida e Poesia de Olavo Bilac, de Fernando Jorge. Ali, Bandeira não poupava o poeta parnasiano, em especial sua vida amorosa, que teria feito dele um “coió sem sorte”, “esse Bilac bastante ridículo”. Vale a leitura!

O poeta parnasiano Olavo Bilac, cuja vida amorosa foi comentada por Manuel BandeiraO poeta parnasiano Olavo Bilac, cuja vida amorosa foi comentada por Manuel Bandeira

Os amores de Bilac

 

Por Manuel Bandeira

 

Antes dos 23 anos, Olavo Bilac esteve noivo de Amélia de Oliveira, irmã de seu amigo Alberto de Oliveira. Seu livro Via Láctea foi dedicado a ela nestas palavras: “À que me espera.” Se não tivesse morrido o pai de Amélia, é muito provável que os noivos tivessem casado: o pai consentira no casamento.

 

Seu filho mais velho, porém, o Juca, não via com bons olhos o enlace da irmã com um poeta notoriamente boêmio. Como chefe da família, depois do falecimento do pai, opôs-se tenazmente ao casamento e conseguiu impedi-lo. Bilac teve que afastar-se da casa dos Oliveira, cessou as relações até com Alberto, com quem só voltou a reatá-las muitos anos depois. Viveu a sua vida, amou outras mulheres (versos seus o atestam), mas morreu solteiro.

 

 

 

 

Morto o poeta, começou a formar-se a lenda de um Bilac sempiternamente fiel ao amor de Amélia, um Bilac vitalício, atitude de namorado sem ventura ou, como se dizia no princípio do século, de coió sem sorte. E é esse Bilac bastante ridículo que nos apresenta o livro Vida e Poesia de Olavo Bilac, recentemente editado e da lavra de Fernando Jorge. Para comprovar a falsificação romântica bastará transcrever o impagável episódio da página 357:

 

“Na mesa do poeta”, conta o biógrafo, “havia sempre flores vermelhas. Eram oferecidas por Amélia de Oliveira à irmã de Bilac, com o objetivo de serem colocadas ali.

 

“Fitando essas flores, Olavo adivinhava-lhes a procedência, recordava-se do vulto de Amélia.

 

“Uma feita, a irmã de Bilac quis ver o efeito que elas iam causar ao poeta. Pôs um ramalhete de rosas numa jarra e escondeu-se atrás de um reposteiro. E ficou a olhar os movimentos de Olavo.

 

“Ele, sentado em sua poltrona, permaneceu embebido na contemplação das flores. Depois de largo tempo, levantou-se e beijou, com enorme delicadeza, uma olente rosa escarlate, que lhe lembrava, sem dúvida, a tépida maciez de uns lábios purpúreos, outrora sofregamente osculados.

 

“E nas pétalas dessa rosa fragrante, caiu o rocio de suas lágrimas quentes.”

 

Tudo nessas linhas caprichadas – a “enorme delicadeza”, a “olente rosa”, os lábios “sofregamente osculados”, o “rocio das lágrimas quentes” – concorre para o efeito ridículo, que seria magistral se tivesse sido preparado com tal intenção.

 

No entanto há outro episódio no livro que devia ter esclarecido o seu autor sobre a verdadeira psicologia de Bilac. É o da página 339.

 

“Amélia de Oliveira”, diz Jorge, “diversas vezes procurou Gregório da Fonseca para ver se este conseguia aproximá-la de Olavo. Ela afiançava que não havia nenhuma pretensão amorosa. Os dois estavam envelhecidos e nada mais natural, portanto, ‘que se vissem como simples amigos de mocidade’. Apesar de tudo, Bilac sempre se opôs. Mostrava-se recalcitrante. E dizia a Gregório:

 

“– Que diabo de graça tem agora nós nos encontrarmos? Que diabo vamos dizer um ao outro? Eu estou velho, neste estado; ela é hoje uma verdadeira matrona. Eu morreria de ridículo.”

 

Eis o verdadeiro Bilac. E Jorge ainda acrescentou: “Algumas vezes, quando Bilac e Gregório se achavam juntos, Amélia surgia ao longe, numa esquina ou numa porta. O poeta, em tais circunstâncias, puxava o braço do amigo, querendo mudar de caminho. E deveras atrapalhado, sem saber onde colocar os pés, ele gaguejava: – Vamos… vamos… vamos dobrar aqui… lá vem a ‘minha viúva’…”.

 

Repito: este é o verdadeiro Bilac e quem algum contato tenha tido com o poeta sabe disso; o outro é criação da pieguice de alguns admiradores bem intencionados mas ineptos: com que força de expressão Bilac os qualificaria! Essa lenda precisa acabar. O idílio com Amélia foi, como o definiu o próprio poeta, “o sonho vago que expirou tão cedo, soçobrado no porto antes do surto!”.

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