“Não é o governo que participa do cinema, é o Estado”, critica Cacá Diegues

Eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL) em agosto, Cacá Diegues toma posse na noite desta sexta-feira (12), no Petit Trianon. Ocupará a cadeira número 7, sucedendo a ninguém menos do que seu mentor e amigo íntimo Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), o “criador do cinema moderno” no País, como faz questão de dizer.

 

 

Por uma coincidência um tanto sinistra, a data coincide com um dos momentos mais turbulentos da história recente da indústria cinematográfica brasileira. Tanto que, enquanto escreve o discurso de posse, repleto de referências ao mestre, Cacá Diegues ,  cineasta e colunista do GLOBO acompanha de perto os desdobramentos da crise do setor. De um lado, o Tribunal de Contas da União põe em xeque a atuação da Ancine . De outro, o setor teme pelo futuro do Fundo Setorial do Audiovisual.

 

Cacá, no entanto, é um otimista, seja como novo integrante da ABL, onde quer ter a oportunidade de propagar uma cultura que represente a diversidade do país, seja como observador privilegiado das negociações para salvar o cinema nacional.

 

Mesmo assim, não mede palavras na hora de alertar: se a bomba não for desarmada, podemos, sim, ter um repeteco da extinção da Embrafilme, que implodiu a produção em 1990. Só que com efeitos piores, já que o setor emprega muito mais gente hoje.

 

“Este é o momento mais paradoxal da história do cinema no país “, diz o diretor de clássicos como “Cinco vezes favela”, “Chuvas de verão” e “Bye bye Brasil”.

“Ao mesmo tempo em que ele vive sua melhor fase, com uma diversidade enorme, produzindo 160 filmes por ano, com uma garotada começando a fazer filmes no exterior, outros fazendo sucesso no próprio país, está ameaçado de acabar. A estrutura formada para criar o cinema está desmoronando. Porque hoje você não sabe direito quais são as condições para se fazer cinema no Brasil”, explica ele.

 

O que estaria “demolindo” a Ancine, segundo Cacá, é a própria estrutura do órgão, encarregado, a um só tempo, de fomentar, regular e fiscalizar o setor.

 

“São três coisas diferentes, não podiam estar no mesmo órgão”, defende.

 

E propõe que os profissionais do audiovisual coloquem de lado suas diferenças políticas e busquem soluções “permanentes e absorvíveis” para um cinema que contemple todos os gostos e exigências, da comédia que lota o cinema ao filme que compete no festival.

 

“Meu papel é dizer que, como está, não está bom”, pontua Cacá. “Estou cansado de discutir cinema com cineastas porque não existe mais vontade de ficar junto. O desejo de cada um vai para um canto e não se resolve nada. Acho que estamos sem perspectivas neste momento. Tem que ter a humildade de admitir que esse modelo está encerrado. É preciso começar tudo de novo”, completa.

 

Com mais de 50 anos de carreira, Cacá também se mostra preocupado com o avanço do que chama de “macartismo cultural” que ameaçaria a diversidade do audiovisual. Ele defende que o cinema tenha variedade não apenas regional (“do igarapé da Amazônia ao pampa gaúcho”, diz) mas também política (à esquerda e à direita).

 

“Não é o governo que participa do cinema, é o Estado. E governo que for contrariar isso não é democrático, não presta. Temos que impedir que esse macartismo se desenvolva, impossibilitando que o cinema seja o que tenha que ser”, afirma.

 

Falando sobre diversidade, ele também defende que a ABL deve ser, antes de tudo, um “centro de propagação da cultura”, inclusive a popular.

 

“É um dever de todos criar uma cultura que tenha a ver com a diversidade, a dificuldade e também a pobreza do país. Botei isso até no meu discurso. Foi a isso que Nelson se dedicou. Sou aluno dele”, diz.

 

A eleição do cineasta, em agosto do ano passado, foi uma das mais comentadas da história recente da casa. Grupos de fora da academia cobraram mais diversidade racial e de gênero, fazendo campanha para a escritora negra Conceição Evaristo, uma das concorrentes à vaga. Questionado, Cacá diz que vê com bons olhos uma ABL mais diversa, mas pondera que se trata de uma instituição privada, com “o direito de escolher quem quiser”.

 

“Não é porque a pessoa é negra que automaticamente tem que ser eleita. Conceição é uma grande escritora, merece ser eleita, se amanhã se candidatar talvez vote nela, mas ninguém tem o direito absoluto de ser eleito porque é negro”, conta ele.

 

Enquanto planeja a vida de acadêmico e discute política cultural, o cineasta também é cineasta. E, no momento, busca recursos para filmar “A dama”, com Betty Faria no elenco.

 

Cacá Diegues  dedica-se também a retrabalhar o roteiro de “O último imperador”, que Nelson Pereira dos Santos lhe deixou de herança. O longa é sobre a deposição de Dom Pedro II. Outro projeto é a continuação da sua comédia “Deus é brasileiro” (2003). Mais de 15 anos depois, o personagem (novamente vivido por Antonio Fagundes) chega ao Brasil e acha tudo a maior esculhambação. Mas, como diz o título, “Deus ainda é brasileiro”.

 

Fonte: Gente – iG @ https://gente.ig.com.br/cultura/2019-04-12/com-posse-na-abl-marcada-caca-diegues-critica-estrutura-da-ancine.html

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