Nascido há 40 anos, marcado a partir do lançamento do álbum da banda inglesa Sex Pistols, Never Mind the Bollocks, em outubro de 1977, o movimento punk escancarou a degeneração da juventude marginalizada típica de metrópoles industrializadas, como Londres – uma juventude proletarizada, sem emprego nem perspectivas.
Por Carolina Maria Ruy
A banda refletiu a contradição aguda do rock, oscilando entre o protesto e o mercado, e sintetizou as tendências contraditórias que o gênero ia seguir. Liderado pelo baixista Sid Vicious, foi formada e capitalizada por Malcolm Mc Laren, um vendedor de roupas londrino que imaginou ganhar dinheiro produzindo música punk e para isso contratou músicos no submundo adolescente de Londres. O Sex Pistols, de qualquer forma, trouxe para o rock o desespero e a raiva de uma juventude que já não via o futuro de maneira rósea, como a geração anterior. “Não sabemos onde está o nosso alvo. Mas atiramos para todos os lados para ter certeza de acertar”, disse certa vez Sid Vicious. Ali estava representada uma das tendências futuras do rock, do qual o Nirvana (na década de 1980) e os grupos grunges, de garagem, de Seatle, EUA, foram herdeiros.
Punk no Brasil
No Brasil o punk surgiu das mãos de jovens de famílias operárias, sobretudo da Vila Carolina, zona norte de São Paulo.
Segundo depoimento do músico Ariel, em entrevista para o filme Botinada, a Vila “Punk” Carolina, encravada entre o Bairro do Limão e a Freguesia do Ó, na periferia paulistana, era basicamente proletária, rodeada por fábricas e pelo comércio popular. Ariel justifica o nascimento do punk naquela região afirmando que “só nos restava o conformismo de ser como nossos pais ou ir contra a corrente que nos prendia a uma triste realidade”.
E o grito de liberdade viria através da (difícil) importação de discos como o icônico Never Mind The Bollocks, e de outras bandas estrangeiras como The Stooges, Ramones e The Clash, espalhando-se por meio de cópias em fitas cassete.
Aquelas bandas inglesas e estadunidenses, que plantaram na mente dos jovens o sonho de encarnar em si mesmos a possibilidade de mudança, mostraram que eles também podiam criar seus recursos e fazer rock a partir de suas angústias. Eles, que se pretendiam “destruidores”, surgiram da própria destrutividade do sistema capitalista, incorporando a capacidade de transformação.
E era natural que a contracultura punk, mesmo importada, parecesse nascida e criada na Vila Carolina. Afinal, onde quer que estivessem, os punks eram frutos da pobreza, da falta de trabalho e da exclusão social. Desta forma, sua música desarmônica encontrava identificação em ambientes geograficamente tão afastados.
Eles não defendiam grandes projetos nem almejavam aceitação. Nada entre os punks parecia ocorrer de forma organizada e linear. Sua própria origem no Brasil foi marcada pela rixa entre gangues e, naquela época, fim da década de 1970, diferenças entre os punks de São Paulo e os do ABC motivaram uma violência cega e inconsequente.
Somente a partir do início da década de 1980, sobretudo depois do festival “O Começo do Fim do Mundo”, em 1982, no Sesc Pompéia (SP), o movimento começou a sair do gueto e assumir uma forma cultural.
Ideologia punk
A força da cena punk dos anos de 1970 e 80 era embriagante. Mas o que havia por trás dela?
Inocentes
Para Clemente Tadeu, líder da banda Os Inocentes, não se tratava de um movimento que lutava pela justiça social, o inimigo podia ser o vizinho ao lado, podia ser os punks de outras facções ou até o sistema social. Eles queriam “destruir” para “transformar”. E aquela revolta podia ser interpretada como uma postura política. Os punks originais se identificavam pela forma como se colocavam na sociedade, repudiando as instituições e os códigos que segmentam as pessoas em classes. Seu rudimentar discurso anarquista definia, em última instância, uma visão de mundo e um ideal de transformação.
A imagem agressiva da garotada era, antes de tudo, uma denúncia sobre as mazelas do mundo injusto em que viviam, mesmo que esta denúncia se fizesse de forma muito mais intuitiva do que intencional.
Anarquia no Reino Unido
O single Anarchy in the UK, do album pioneiro Never Mind The Bollocks, tornou-se hino dos punks, traduzindo em sua letra os ideais do movimento. A música, concebida como uma desconstrução dos acordes e versos harmônicos de estilos musicais tradicionais insiste na ideia de destruição. Mas a que se refere esta destruição? Refere-se ao tradicionalismo da sociedade inglesa, com sua monarquia anacrônica e seu capitalismo excludente.
Revelado na cultura, sobretudo na música e na moda, o punk, mais do que um modismo trouxe em sua origem, uma densa carga ideológica. Uma carga que resgatou ideais anarquistas do início do século 20 através de lemas como: “faça você mesmo” e “do caos se faz a ordem”. Ideologia controversa e polêmica, mas que colocou no centro do debate uma situação social que atingia a juventude.
Ouça Anarchy in the UK:
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