O poeta Manuel Bandeira, sensibilidade à flor da alma, disse certa vez que se fosse feito um concurso para apurar qual o verso mais bonito da nossa língua, talvez ele votasse naquele do Orestes: “Tu pisavas nos astros distraída”.
Por Joan Edessom*
O Orestes a que se referia Bandeira não era o filho de Agamenon e Clitemnestra, rei de Esparta e de Micenas. Era um brasileirinho de nome completo Orestes Dias Barbosa, nascido no Rio de Janeiro em 7 de maio de 1893 e que morreu lá também, há exatos cinquenta anos, em 15 de agosto de 1966.
Compositor, poeta, jornalista, o quase esquecido Orestes foi homem de múltiplas faces, feito o poema de Drummond. Orestes foi um cronista do Rio de Janeiro, da mesma estirpe e da mesma qualidade literária de um Lima Barreto ou de um João do Rio. Foi um cronista do povo, talvez com muito mais pertencimento, inclusive, do que os outros dois citados. Menino de rua, morador de barracos com tetos de zinco, foi Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, pai do poetinha Vinícius, quem o aproximou do violão. Como cronista, foi tão grande que Rubem Braga, outro gigante, afirmou que “o primeiro cronista que me influenciou de fato, e me deu vontade de escrever crônicas, foi Orestes Barbosa”.
Nos jornais, começou como revisor e passou a repórter de polícia, convivendo com nomes como Rui Barbosa e Mário Filho. Entrevistou João Cândido, o herói da Revolta da Chibata, Dilermando de Assis, Pixinguinha, Donga, Cartola. Foi autor de frases e manchetes impagáveis, como o primeiro artigo que escreveu para o Diário de Notícias, “As palhaçadas do Ministério”, em 1912, que lhe valeu a proibição de entrar no Ministério Guerra durante todo o período da presidência de Hermes da Fonseca. Ou quando, a pedido de Rui Barbosa, com o título “Cortou o mal pela raiz”, noticiou o caso em que a mulher cortara o órgão sexual do marido que lhe traíra. Preso por mais de uma vez, foi cronista das favelas e das prisões, tema do livro “Na prisão”, de 1922. No ano seguinte publicou “Ban-ban-ban”, sobre o mundo do crime e da malandragem.
Um dos grandes letristas da nossa música, autor de dezenas de trabalhos, foi parceiro de grandes compositores como Custódio Mesquita, Nonô, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Vicente Celestino, Bonfiglio de Oliveira, Nássara, Francisco Alves, Wilson Batista e Sílvio Caldas. Com Sílvio Caldas compôs o clássico Chão de Estrelas, uma das mais belas do nosso cancioneiro. É nela que está o verso que talvez Bandeira escolhesse como o mais belo da nossa língua. Nela, Orestes, palhaço das perdidas ilusões, constrói imagens de incontida beleza, como o festival das roubas comuns dependuradas, mostrando que nos morros malvestidos é sempre feriado nacional. Nada que se compare, entretanto, ao trecho seguinte: “A porta do barraco era sem trinco/ e a lua furando nosso zinco/ salpicava de estrelas nosso chão/ tu pisavas nos astros distraída…”. O brigão Orestes sabia escrever com as tintas da beleza e da ternura.
*Joan Edesson de Oliveira é educador, mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará
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