O fim da era do incentivo?

Pode apostar. Quando a política cultural invade os contados minutos do Jornal Nacional é porque são grandes – e poderosos – os interesses em jogo. Pois, na noite da segunda-feira 23, a Lei Rouanet, que tem 18 anos de vida e jamais interessou às tevês, foi tema de uma reportagem no jornal da Rede Globo.

O mesmo havia acontecido à época da redefinição do destino das verbas de patrocínio das empresas estatais, em 2003, e quando o governo tentou criar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), em 2004. Curiosamente, uma mesma expressão repetiu-se nos três episódios: “Dirigismo cultural”.

Esta semana, coube ao produtor teatral Eduardo Barata, do Rio de Janeiro, dizer, no Jornal Nacional, que o projeto de mudança da Lei Rouanet, trazido agora a público, contém em si a ameaça de “dirigismo cultural”. Antes, em situações absolutamente diversas, figuras como Arnaldo Jabor e o cineasta Cacá Diegues apareceram, na mesma tela, à mesma hora, falando exatamente a mesma coisa.

Há de se analisar com cuidado o projeto de lei que foi disponibilizado para consulta pública antes de seguir ao Congresso Nacional e exigir transparência do Ministério de Cultura (MinC) na divulgação dos dados que dão base à mudança. Mas olhá-lo sob a ótica da ameaça de intervenção estatal na cultura é, no mínimo, simplista. O que está em jogo, neste momento, é a definição dos caminhos pelos quais o dinheiro público deve chegar às produções artísticas.

Criada em 1991, a Lei Rouanet permite a aplicação de parte do Imposto de Renda devido em projetos culturais e mobilizou, de acordo com o governo, cerca de 290 mil empresas desde a sua criação. É importante pontuar que parte razoável desse volume sai dos cofres das companhias estatais e que os seis maiores investidores pela lei representam cerca de 50% do total de recursos captados.

A reforma do mecanismo que se tornou, a um só tempo, esteio do que se produz e refém das próprias distorções, era acalentada desde o início do governo Lula. Seis anos depois, vem a público menos radical do que se anunciava em 2003, mas com uma base inalterada: deve ficar nas mãos do Estado, e não das empresas privadas, boa parte das decisões relativas ao dinheiro público injetado na cultura.

Para que isso aconteça, o novo projeto prevê a criação de fundos setoriais, cujos recursos seriam distribuídos por meio de concursos públicos, avalizados por comissões com representantes da sociedade. Esses fundos substituiriam, em boa medida, certas funções hoje desempenhadas pela lei de incentivo.

“Não vamos acabar com a renúncia, mas ela deixará de ser o principal modelo de financiamento”, afirma Juca Ferreira, ex-secretário-executivo que assumiu o MinC, no lugar de Gilberto Gil, em agosto de 2008. “A renúncia é uma parceria público-privada e, em geral, as empresas que usam a lei se interessam pelas manifestações que podem dar retorno de imagem. O fundo deve atender a manifestações que não têm essa característica, e que são maioria.”

http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=359609
Ana Paula Sousa – Carta Capital

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