AMIGO É COISA PARA SE GUARDAR…

filhote03É possível que soe aos ouvidos dos mais distantes e insensíveis, uma bobagem. Pode até parecer  para muitos não ter o menor sentido ou  pura perda de tempo. Não importa.

Para narrar esta história, preciso voltar um pouquinho no tempo.

Sempre, desde que tenho noticias minhas, tive o maior medo. Não, medo não, pavor. Pavor deve ser a palavra exata para retratar o que realmente acontecia comigo.

Dando sequência a este pequeno causo, verídico repito, não podia me aproximar de nenhum cachorro, que sentia tamanho pavor. E podia ser um guapeca qualquer, um cachorrinho bem pequenininho, destes de carregar no bolso, que logo exalava adrenalina pelos poros, denunciando meus medos. Meu olho se espichava todo, dava um frio danado que descia pela costela, embargava a voz na garganta e um grito de terror valentemente era contido.

Tinha até uma poesia sertaneja, que gostava muito e que  contava  a história do Pitoco, um cachorrinho que o menino teria ganho do padrinho, numa noite de natal.

Encantava-me com a história, chegava até me emocionar, mais era só isto.  Não havia em mim, nenhuma vontade de ter um cachorrinho.

Claro, achava interessante quando um garoto de minha idade chegava falando de seu cachorro.

Confesso que não perdia um só seriado de Lessie,Lessie

aquele coli do filme, ou mesmo as

rim-tim-tim-1Aventuras de Rin-Tin- Tin, valente pastor alemão que tinha como o dono, ou era o contrario, não sei, o Cabo Rust

ou As Aventuras de Timtim e seu cachorro Milu.timtim e milu

Cresci e nesta altura da vida, engordei isto para não dizer que o tempo, este implacável controlador da juventude e da velhice, não viesse e mostrasse suas ferinas garras, colocando aqui e ali algumas rugas denunciadoras. Mesmo assim continuava a ter medo de passar por qualquer lugar que tivesse cachorro. Algumas pescarias perderam, só por saber que o pesqueiro bom, onde os lambaris de rabo vermelho pulavam fora d’água para pegar as iscas, era exatamente passagem de um valente cachorrão.

Quantas quadras foram desvia, só por saber que naquela rua tinha um feroz cachorro. Não importava caso o trajeto se estendesse por mais caminhadas, desde que me pusesse à salvo.

Sempre achei admirável o trabalho do funcionário da Companhia de Luz e Água, aquele que faz a leitura do relógio da energia elétrica e do registro de água. Quanta destreza para se desviar destes perigosos e traiçoeiros mordedores, que acho, adivinha o dia da passagem destes trabalhadores. Lá esta o cachorro como a dizer: não vem não. Olha que eu mordo!

E o que dizer dos carteiros. Já me disseram que animais como o cão, não tem a percepção das cores, como nós os ditos humanos. Ah! Mas uma coisa eu tenho certeza, eles sabem exatamente distinguir o amarelo dos entregadores de correspondências, de amarelos quaisquer.

filhote 01Seguia meu curso, desviando do mais simplório au-au, quando de repente, um amigo meu o Fernando Michelloto presenteou-me com um cachorrinho.

Impulsionado pela coragem de meus filhos fui pessoalmente buscar o presente.

  • Vai pai, vamos lá. É só um filhotinho!
  • É mais se a mãe do infeliz resolver não fazer a doação. Pior, e se o pai do desprezado, não foi consultado, e na hora querer tirar satisfação?
  • Vamos lá pai, deixe de conversa mole, não vai dizer que esta com medo?

Estava. Não podia suportar a ideia de ter um cachorro por perto. Ele na certa iria logo descobrir meu ponto fraco. Iria como fera, dominar minha família, acreditando ser o chefe daquela matilha. Já li isto em algum lugar.

filhote 02Depois das apresentações e dos salamaleques de praxe; como cuidar, o que come, vacinas me deram sem cerimonia e sem ao menos perguntar se tinha feito algum curso de pai adotivo para cachorro, aquele pequenino, engraçadinho ser, que parecia a me ver ali meio confuso, espantado, rir do meu jeito.

Já no carro, tive a primazia de carrega-lo no colo, voltando para casa. Ali mesmo como que se demarcasse terreno, fez um baita pipi nas minhas calças e olhando tascou-me uma grande lambida no rosto, que juro soou como: olá papai! Alias vou dizer uma coisa: não existe nenhum remédio no mundo igual a um filhote de cão que lambe seu rosto. Cura todos os males.

Foi amor à primeira vista!

Era eu que corria ao primeiro sinal de choro. Era eu que ele acordava com seus latidos e lambidas, já nos primeiros raios de sol.

Era eu, mesmo a contra gosto, que saia com ele para passear pela vizinhança. Ele mesmo já vinha com sua coleira – guia  presa aos dentes olhando para porta como que dissesse: vamos, tô pronto!

Dei-lhe o nome. Ieltsn! Pomposo como deve ser o nome de um pastor alemão.

Ciumento prá cachorro. Desculpe-me o trocadilho, mais era verdade. Ai de mim, se ele percebesse que outro animal, recebia minha atenção. Latia com aquele seu latido forte, assustador e atemorizante aos menos avisados, não eu que já sabia que era nosso código secreto, sua maneira de comunicar o descontentamento e de pedir o afago indivisível de quem ele mesmo escolheu para amigo. Eu.

Estou aqui batucando estas letras para confessar meu amor. Os cães são o nosso elo com o paraíso. Eu acho. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento.

Deus em sua suprema bondade fez, como se sabe, primeiro o homem. Não gostando muito da criação, foi por demais generoso e criou o cão!

Insignificantes somos nós, vaidosos bípedes pensantes, diante da grandeza do mundo animal.

Quanto tempo eu perdi, meu Deus. Quantos carinhos eu deixei de fazer e principalmente, quantos carinhos deixei de receber de um pequeno animalzinho, que tem mais para ensinar para gente do que sonha nossa vã filosofia!

Não me importa se parecer meio idiota, ao revelar esta história tão verdadeira, e torna-la publica. Que saibam todos da minha tristeza.

O destino às vezes nos prega peças. E eu dancei a dança do destino feito menino.

Ele teceu com suas mãos, um enredo e eu fui apenas coadjuvante.

E saiba que os animais sofrem tanto quanto nós humanos.

O protagonista principal dessa história deve de estar, estas horas, lá perto de Deus, porque é lá que criaturas tão doces e impressionantemente importantes, devem de estar.

filhote03Prometo às vezes, ficar bem quietinho, só para ver se ouço algum latido com jeito de riso. E se ouvir com certeza saberei que é o Ietsn, dizendo para o Criador – dizem ser verdade de que criou os animais, e depois os homens e mulheres: vê se cuida daquele ali, apontando para mim –  é meu amigo!

A lição que Ieltsn deixou a mim e aos meus filhos é que devemos amar os animais sempre. Não porque deve amar, e sim porque deve amar a si mesmo.

 

Cláudio Ribeiro

Jornalista – Compositor

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