Marechal palco do Carnaval de Curitiba. Espaço dos atores do samba e da cultura popular.

“Amanheceu o dia em festa, hoje é Carnaval, a nossa rua colorida é noticia de jornal”… (samba de enredo da Escola de Samba Colorado – Homero Réboli e Cláudio Ribeiro). A rua enquanto espaço público tem sido usufruída para as mais diferentes funções ao longo dos tempos. É uma via de circulação para pessoas e os carros, mas é também lugar privilegiado para manifestações políticas e culturais, assim como o carnaval.
“Mas Curitiba não tem tradição de Carnaval”, logo dirão os céticos e os mal informados de uma maneira geral. E é justamente contra essa concepção de uma cidade “embranquiçada”, tipicamente européia e, portanto, sem espaço para manifestações populares com raízes africanas ou indígenas e exatamente por isso que devemos parabenizar a volta dos desfiles das Escolas e Blocos para a Avenida Marechal Deodoro.
Em boa hora Marcos Cordiolli presidente da Fundação Cultural e o prefeito de Curitiba Gustavo Fruet, depois de ouvir os apelos meus e de Glauco Souza Loubo, o Marechal da Marechal, ainda no carnaval do ano passado, transferiram os desfiles carnavalescos da Avenida Candido de Abreu para a Avenida Marechal Deodoro.
Explico o motivo: A ocupação da rua como espaço público e democrático pelos populares, em suas práticas de lazer e cultura, nem sempre ocorreu de forma tranqüila ou foi bem aceita pelas elites e pelas autoridades.

Outra coisa, buscar as origens da festa carnavalesca curitibana seria mergulhar numa longa história que não cabe nesse momento e nesse espaço, mas a festa momesca em nossa cidade a exemplo do resto do Brasil, só veio a se tornar no carnaval mesmo, próximo do que conhecemos nos dias de hoje, quando junto com as classes populares e trabalhadoras o negro passou a participar efetivamente com ritmos e contribuições da sua cultura.
O desfile carnavalesco estará voltando ao seu nascimento. Na verdade tudo do antigo palco da Avenida Candido de Abreu conspirava para um carnaval triste, a começar pelo diminuto espaço da passarela, coisa de uma quadra e meia. Quando a escola começava a evoluir acabava a avenida. É impossível realizar um Desfile. Também a distância para o cidadão chegar ao local era muito longe. O entorno é completamente contrário ao espírito do carnaval. O espaço circundante simboliza poder, ostentação, ritos, formas algumas de remissão aos processos repressores Tribunais, Palácios, Secretarias, enfim expressões simbólicas da burocracia, do formalismo, da rigidez, nada mais contrário à liberdade,a imaginação, ao improviso, ao coletivismo do carnaval. A volta a Marechal é uma vitória do mundo do samba de Curitiba.
Tem a cara do Mestre Maé, Chocolate, Charrão, Julio Diabo, Cadille, Afunfa, Lamarão, Lima, , Edson e Delci Davila, Bola e tantos outros. 

Durante o curso da História, o festejo carnavalesco ora foi visto como prática a ser reprimida, ora como prática a ser legitimada no discurso difundido pelo regime republicano, o qual parecia querer fazer do carnaval elemento de identificação da democracia com o novo modelo político adotado pelo Brasil também encontrava coro no Paraná e mais especificamente em Curitiba.
Os primeiros movimentos em direção ao surgimento das sociedades carnavalescas se deram em Curitiba, ainda no século XIX. Foi por essa época que as elites ervateiras e madeireiras do Paraná começaram a copiar o carnaval que se fazia em Paris e no Rio de Janeiro capital do país, procurando se afastar do conjunto de brincadeiras conhecido como Entrudo.
Ai então veio o Corso, que é o nome que os passeios das sociedades carnavalescas do século XIX adquiriram no início do século XX. A brincadeira consistia no desfile de carruagens enfeitadas – e posteriormente, de automóveis sem capota – repletos de foliões que percorriam as Ruas Riachuelo e Rua XV de Novembro (antes Ruas das Flores). No desfile do corso, participava a elite de Curitiba com seus carros enfeitados, as moças assentadas nas capotas dos automóveis conversíveis e a imprensa local rasgava e se desmanchava em confetes e serpentinas, e nada noticiando sobre “batuques e fandangos” praticados pelas camadas populares da periferia da capital paranaense. Por sua própria natureza, o corso era uma brincadeira exclusiva das elites, que possuíam carros ou que podiam pagar seu aluguel nos dias de carnaval. Nada sobre negros, sambas. Perversa exclusão da verdadeira cultura popular. Assim era como é a mídia, enquanto formadora de opinião.

Poder desfilar pelas ruas centrais da cidade de Curitiba, nos tempos de carnaval, foi uma conquista árdua dos segmentos populares. Muito antes do bloco Garibaldis & Sacis.
O sucesso do bloco Garibaldis & Sacis, que passou a atrair milhares de pessoas de uns anos pra cá, guardando algumas e fundamentais diferenças, lembra outro Bloco Carnavalesco: Banda Polaca da década de80.
Essas manifestações que se traduzem em blocos carnavalescos são pequenos movimentos de assimilação da festa momesca justamente pelos grupos ditos letrados, pelos empresários, pela imprensa e governantes. No caso do Garibaldis & Sacis conheço seu fundador e incentivador Itaecio Rocha, do Mundareu, que gravou uma composição minha o que me deixou feliz e honrado, ele é comprometido com a cultura popular e tenho certeza que é herdeiro das mais legítimas manifestações carnavalescas.
Enquanto a Banda Polaca de certa forma serviu ao sistema e foi excludente com os diferentes. Lembrando o caso da Gilda. Essas diferenças passam a ser motivo de desigualdade e exclusão. O que não tem sido o caso do Bloco comandado por Itaecio. É um desafio conhecer e vencer o preconceito na sociedade. Se o Bloco Garibaldis & Sacis não tivessem outros méritos, só este já seria maravilhoso: fez a elite curitibana relembrar que, afinal, existe um povo por aqui e temos carnaval. Mas o bloco não inventou o carnaval curitibano, só vem recebendo um tratamento que as Escolas de Samba não recebem, nem da mídia e nem de alguns foliões. Não foi o primeiro carnaval na Marechal, como querem (a mídia) fazer crer.

Hoje ouço o tropel efusivo. – “Primeiro grande Carnaval de Rua de Curitiba”!! É sabido que a mídia, por ser o único veículo comunicacional massivo, que pode levar informação a todas as pessoas da sociedade, possui grande poder de influência em vários setores específicos da sociedade.

Cláudio Ribeiro e Glauco Souza Lobo coordenadores dos carnavais da década 80 e o então prefeito Mauricio Fruet

A luta renhida, na qual a violência policial sempre esteve presente, as várias formas de sambar no carnaval conquistaram, ao longo dos anos, seus lugares nos espaços centrais da cidade.
Se os bailes não eram para todas as camadas da população, estando restritos a um grupo mais elitizado, alguns foliões e sambistas criaram outras alternativas nas décadas de 30 e 40.
Ismael Cordeiro, nosso Mestre Maé da Cuíca, sabendo que o samba era um outro modelo de festa, que durante certo tempo não era sequer reconhecido como carnaval, cria nos idos de 1945 na antiga Vila Tassi, próxima a Rede Ferroviaria a Escola De Samba Colorado, a primeira do Paraná e uma das primeiras do Brasil. Surge como expressão máxima do carnaval popular de Curitiba porque refletia as mudanças da realidade social e a alteração das relações de força entre os grupos de trabalhadores urbanos. Foi a partir daí que os movimentos sociais negros iniciam um lento ciclo de rearticulação em Curitiba. O movimento negro, enquanto proposta política, só ressurgiria realmente em 7 de Julho de 1978, quando um ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê, deu origem ao Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). A data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Neste ano, o carnaval de Curitiba teve como vencedora a Escola de Samba Mocidade Azul, comandada por Afunfa (Osvaldo de Souza), levando pela segunda vez sua agremiação ao topo do desfile, A Escola de Samba Colorado do Mestre Maé, ficaria em segundo lugar levando a nota máxima no samba de enredo, meu e do parceiro Homero, versando sobre a luta negra e também sobre a cultura negra, a Não Agite (Escola de Samba ligada ao Coritiba), veio com “Templo dos Orixás”, e obteve um total de 257 pontos e ficou em honroso terceiro lugar escola comandada por Glauco Souza Lobo. Curiosamente, essa é uma parte da história do carnaval menos conhecida da maioria dos curitibanos. E isso tudo acontecia na velha Avenida Marechal Deodoro.
É preciso legitimar a história de luta e resistência do povo trabalhador, a necessidade de preservar e ampliar os canais de participação, expressão, necessidades e visões do mundo, profundamente internalizadas e traduzidas numa manifestação tão singular musicalmente e coreograficamente como o samba das Escolas de Samba de Curitiba.
Nos dias de carnaval, a Marechal torna-se não somente o espaço de todos, mas o
espaço em que é possível mostrar-se em suas fantasias e fetiches, sem ninguém
achar estranho ou inconveniente. É o lugar e o momento para ser rei ou rainha,
homem ou mulher, Mestre Salas ou Passistas, rico ou pobre. Assim, o espaço que volta ser o palco do samba e da folia curitibana durante o carnaval volta a ser mais democrático e mais igualitário.
Obrigado Gustavo Fruet e Marcos Cordiolli por terem compreendido a importância simbólica no retorno do Carnaval de Curitiba para Marechal.

 

CLÁUDIO RIBEIRO
Jornalista, radialista, escritor e compositor. Integrante da “Ala de Compositores” da Estação Primeira de Mangueira. Fundou com Ricardo Cravo Albin e Aramis Millarch a Associação Brasileira de Pesquisadores da MPB no ano de 1975. Entre os anos de 1980 e 1987, idealizou, coordenou e apresentou diversos projetos e eventos na área musical da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Coordenou, compôs sambas de enredo para todas as Escolas de Samba de Curitiba e apresentou por mais de 20 anos o Carnaval de Curitiba. Também já foi presidente da Associação das Escolas de Samba e Blocos Carnavalescos de Curitiba. Em parceria é autor dos 6 últimos sambas de enredo da Escola de Samba Filhos da Capela de Antonina. Autor do Hino Oficial do Coritiba F. C. Fez parcerias lendárias com Cartola, Claudionor Cruz, Homero Réboli e Waltel Branco.

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