Face a Face – Mario Mello – 9/02/05

 

Por Mario Luiz de Mello

 

 

 

A situação das comunidades humanas ao depararem com a globalização é comparável à dos cegos que subitamente recuperam à visão e só uma fábula consegue descrever a força que esta transformação provoca. Imaginemos, por um instante, homens que só conheceram a noite fechada. Deslocam-se com pequenas lanternas, cujos fachos alcançam fracamente uns poucos metros, ao longo de caminhos cuidadosamente indicados pelas outras pequenas lanternas, que os conduzem, sempre em meio as trevas, até a praça da pequena cidade, depois à estrada, depois a cidade grande; só tendo conhecido a noite, seguem sempre pelos mesmos caminhos e não ousam se aventurar por nenhum atalho. E eis que o dia, esse dia que nunca conheceram, nasce. Mil sensações novas os acometem encontram-se no meio de uma vasta planície, os muros das casas tornam-se transparentes, avistam milhares de outras casas, igualmente transparentes,  que eles podem ver e de onde podem ser vistos.

A grande estrada, antes tão distante, agora está bem próxima; A praça da cidade, não é mais um ponto de passagem obrigatória, mas sim, um desvio: todas as direções lhes estão abertas, e eles se espalham pela planície. Apagaram-se as luzes que delimitavam cuidadosamente a hierarquizada noite, pois ninguém mais as conserva acesas.

Este despertar extraordinário, ocasiona a alguns a excitação de uma nova liberdade e a outros, a angustia de um horizonte excessivamente vasto.

O face a face entre o indivíduo e a globalidade é inebriante, mas modifica radicalmente as condições da democracia. O verdadeiro desafio, torna-se agora, o de como se construir as comunidades políticas do futuro?

A globalização faz de nós órfãos, pois não mais herdamos de uma comunidade, pelo acaso do nascimento. Passamos agora, a construir a comunidade. A passagem forçada de um mundo de comunidades de memória para um mundo de comunidades de escolha, é uma liberdade difícil de carregar, para o qual estávamos mal preparados. A fuga para dentro do “comunitarismo”, a xenofobia, e finalmente, a tirania, podem seduzir aqueles a quem esta nova liberdade inquieta, pois não sabendo de onde vêm, não sabem quem são e não tem força para escolher para onde ir.

 

Mario Luiz de Mello – Analista de T.I e autor do Blog da Revolução do Voto

Texto baseado na obra de J.M. Guéhenno.

 

 

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