Preocupações

 

 

 

 

 

De que forma mapear e preservar o que existe hoje de cultura popular pela América do Sul é uma das grandes preocupações dos gestores da Cultura pelo continente. O tema foi um dos mais freqüentes durante o I Encontro Sul-Americano das Culturas Populares e o II Seminário de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em setembro em Brasília.

 

Segundo o secretário de políticas culturais do MinC, Ranulfo Alfredo Manevy, é fundamental fortalecer o papel do estado no financiamento e potencializar as culturas populares. “A cultura já está presente em todos os lares. Não precisamos, portanto, levar cultura aos quilombolas ou a qualquer outra comunidade. Precisamos, sim, aprofundar as políticas públicas, integrando com os estados e municípios. Construindo um Sistema Nacional de Cultura”, acredita.

 

Célio Turino, secretário de Projetos e Programas do Ministério, afirma que a intenção é incentivar uma espécie de apoderamento social, fazendo com que “o povo se apodere do poder e das decisões do estado. É por aí que devemos caminhar dialogando. Mais ouvindo do que pautando. Esse é o objetivo do MinC”. Mas para essa lógica de subversão estatal funcionar é necessário criar instrumentos e planejamento e, nos países sul-americanos, poucos são os que já têm uma estrutura e governos comprometidos com as culturas populares.

 

Alejandro Machicao, do Ministério de Relações Exteriores e Cultos da Bolívia, disse que seu país está implementando um plano nacional de preservação das expressões culturais. Segundo ele, a ação começa no próximo ano e um dos objetivos é tornar a Bolívia um centro cultural conhecido por todos. A grande dificuldade é conseguir recursos para trabalhar essa questão. Machicao diz que o governo está convencido da necessidade de incluir os povos originários em políticas bolivianas para melhorar o nível de vida nas áreas de saúde e educação. Como o Peru e outros países da América do Sul, a Bolívia não tem lei de patrimônio material ou imaterial, mas pretende criar uma lei que abranja esses temas.

 

Este ano a Bolívia recebeu um investimento proporcionado pelo Plano Nacional para financiar a proteção das culturas populares, para reconhecê-las e não tirar a validade dos povos indígenas. Para Alejandro, a área têxtil e os médicos ambulantes da população campesina são riquezas da cultura boliviana que devem ser preservadas. O País já começou a catalogar as plantas medicinais utilizadas por esses “médicos” e criou políticas para cultivá-las para a produção de remédios para a população. O representante boliviano mostrou ainda em sua palestra um vídeo com o Carnaval de Oruro, festa religiosa anual em que dançarinos se vestem com máscaras e roupas coloridas. O objetivo é considerar a festa, que conta com o apoio do governo e da Unesco, como patrimônio cultural da humanidade, a exemplo do que o Brasil com seguiu com o Samba de Roda do Recôncavo Baiano.

 

A diretora da ong Kunay (Centro Andino de Comunicação) do Peru, Soledad Mujica Bayly, informou que a maior parte do orçamento da secretaria responsável pela cultura do país vai para a manutenção de patrimônios históricos e que quase não há recursos para a cultura popular. O Centro Andino de Comunicação reserva um espaço especial para a antologia de música e dança. Criam pequenos documentários para divulgar as manifestações e melhorar a auto-estima dos povos e tradições, principalmente os quase extintos.

 

Segundo Soledad, ainda hoje não existe uma pasta de destaque para a cultura no governo do Peru. “Há um forte movimento para criar o Ministério da Cultura no Peru, vinculado ao Ministério da Educação. Outros pontos são a falta de investimento na proteção do patrimônio imaterial e monumental; a exclusão da língua Quéchua (uma das mais faladas pelos indígenas no País) da programação das redes de televisão privadas; aumento da participação das igrejas evangélica e protestante nas comunidades rurais, que têm práticas opostas e, finalmente, a destruição e poluição de espaços da natureza considerados sagrados, como montanhas”, afirma.

 

Patrimônio Imaterial

A gerente de identificação do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Ana Guita de Oliveira, explicou que o departamento iniciou seus trabalhos apenas em 2004. Mas que já existe aplicação de instrumentos de identificação, reconhecimento, apoio e fomento às culturas populares. O programa Inventário Nacional de Referências Culturais é um exemplo que visa proteger a memória da vida social.

 

Ana Guita explicou ainda que para concluir o registro das manifestações culturais, é feito um levantamento preliminar, identificação e documentação. A gerente do departamento citou também uma série de legislações criadas pela Unesco e pelos estados a respeito do registro dos patrimônios imateriais, como os Mestres dos Saberes e outros bens culturais.

 

O Instituto já lançou o Edital Mapeamento e Documentação do Patrimônio Cultural Imaterial, com o objetivo de promover a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, em sua dimensão imaterial, por meio da produção e do tratamento de informações sobre bens dessa natureza. O Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan receberá, até o dia 30 de outubro, projetos referentes ao Patrimônio Cultural Imaterial (saberes, celebrações, formas de expressão, lugares e edificações) e que atendam aos seguintes objetivos: pesquisa documental sobre bens culturais de natureza imaterial, com disponibilização e difusão dos resultados ao público.

 

Os projetos devem abranger um dos seguintes Estados: Amapá, Roraima, Rondônia, Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e Tocantins. Os projetos deverão ser apresentados de acordo com as condições e exigências estabelecidas no Edital e seus anexos (Veja mais aqui).

 

Sistema S

O chamado Sistema S (Sesc, Sebrae, Sesi e Sest/Senat), considerados grandes difusores das culturas por todo o Brasil, participaram do encontro com a intenção de apontar alternativas de financiamento das produções. Uilson de Souza, subsecretário de Cultura do Município de Lauro de Freitas, contudo, diz que existe um vácuo entre as produções populares e o Sistema S. “O papel de consultoria dessas instituições precisa ser moldado melhor com a visão das culturas populares. Não é espetacularizar as tradições que vai salvá-las. Isso é canibalismo. Não queremos esse tipo de ajuda”, defendeu.

 

O diretor nacional de música do Sesc lembrou que essas instituições são privadas, mas que lidam com o dinheiro de forma pública. O Sistema S recebe 1,5% das contribuições de cada trabalhador repassado pelo governo. Por isso, algumas vezes as propostas e políticas possam estar em desacordo com as produções populares.

 

Cláudia Martins Ramalho, diretora do Sesi, considera que essa questão tem avançado, pois o Sistema S tem procurado trabalhar cada vez mais alinhado com as políticas do Ministério da Cultura. “Compreendemos isso apenas agora, infelizmente. Mas a intenção é somar forças para chegar em todos os cantos do Brasil e incentivar as produções”

 

http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12495&editoria_id=12

Carlos Gustavo Yoda

 

 

 

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