Convidado a escrever sobre Pixinguinha (1898-1973), o historiador André Diniz sabia que não teria tempo de dedicação à altura do patrimônio que o músico representa para a cultura brasileira. O escritor foi convencido a fazer uma pequena biografia, que seria complementada com um farto acervo de fotos – o que era exatamente a lacuna que a idealizadora do projeto do livro Pixinguinha: O Gênio e o Tempo pensava em preencher na bibliografia sobre o músico.
Trecho de Pixinguinha: O Gênio e o Tempo
“Em um instante, os olhos fixaram-se de vez no teto da igreja. Pixinguinha morreu ali mesmo, na sacristia em Ipanema, abençoado pelas imagens de santos que, como sempre disse, eram seus amigos – principalmente São Jorge, de quem se sentia ‘íntimo’. No bloco, a notícia da morte se espalhou entre os foliões. Aos poucos, a igreja foi sendo cercada por palhaços, odaliscas, árabes, bailarinas, arlequins e músicos que cantavam ‘Carinhoso’ como uma despedida daquele que deu um toque de genialidade à simplicidade e ficou conhecido como ‘São Pixinguinha’.”
“Eu sentia muita falta de poder trazer para o grande público as imagens, representar visualmente esse ambiente em que ele viveu – o Rio de Janeiro do período, os inúmeros amigos de Pixinguinha. E pedi para o André contar um pouco sobre quem eram os músicos da época, as transformações que o Rio de Janeiro estava sofrendo, o ambiente da boemia nas décadas de 1910 e 1920”, diz a produtora Lu Araújo, que é pesquisadora da obra do artista. Com linguagem simples, o livro narra os principais momentos da vida de Pixinguinha, desde a influência do pai em seu interesse pela música quando criança, os professores que teve e o início da precoce carreira, passando por seus principais grupos e sucessos como instrumentista, compositor e arranjador ao longo de uma carreira de 60 anos, até sua morte. Contexto Por se tratar de um texto curto, os pontos de maior interesse são as análises sociais do período, que trazem solidez ao texto. Pouco se conhece da personalidade de Pixinguinha a partir do livro, embora a edição traga interessantes imagens de sua vida íntima, mas Diniz construiu um perfil contextual que permite entender o surgimento do gênio e sua importância em um momento de criação da identidade cultural brasileira – do encontro entre a música popular e os literatos, o modernismo, o nacionalismo. “[Pixinguinha] era um músico moderno, antenado, assim como a própria música brasileira que ajudava a consolidar”, diz o texto. O livro também é uma história da música e do Rio de Janeiro no início do século. Diniz resgata os elementos formadores do choro – a fusão de ritmos africanos, como o lundu, com os gêneros europeus, sua interpretação improvisada. E percorre a história do Rio de Janeiro, que passava por mudanças urbanísticas, e de sua sociedade, cuja classe média e elite mudavam de hábitos de entretenimento e gosto, ao passo que as tecnologias inauguravam a cultura de massa com o rádio e a indústria fonográfica. “O livro faz parte do projeto que temos de trazer o Pixinguinha para o presente. Porque ele é uma marca importante para a cultura brasileira como uma ação de identidade. É um artista que, por sorte, qualidade e genialidade, passou por todos os processos iniciais da formação da comunicação de massas e foi pioneiro nas rádios e nas turnês internacionais”, diz Lu, que está à frente da série Pixinguinha, produzida pela produtora Lume Arte, que, desde 1997, já lançou um documentário e três álbuns com arranjos originais do músico (dos quais nove faixas foram reunidas em um CD que vem encartado com o livro) e prepara uma exposição, que estreia em Brasília e deve rodar o Brasil nos próximos dois anos. Serviço: Pixinguinha: O Gênio e o Tempo. André Diniz. Casa da Palavra. 208 págs. R$ 85.
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