Um grupo de cineastas, produtores e jornalistas conversava animadamente num bar há alguns meses, numa dessas mesas que se formam depois dos festivais. Entre um ou outro comentário, alguém perguntou: “Ei, como anda a nova Lei do Audiovisual?”
Deu para sentir os músculos contraindo e os sorrisos murchando. Pudera, porque o governo não havia enviado até então a nova proposta que esticaria os benefícios fiscais que financiam o cinema e, se não fizesse isso logo, poderia haver um colapso da produção. A turma caiu em triste reflexão, perguntando se o governo seria capaz de um desserviço daqueles. Um minuto depois, um dos mais experientes da mesa falou: “Relaxa, gente, que o Barretão não vai deixar isso acontecer!” Todo mundo respirou aliviado, e veio mais uma rodada de chope.
Luiz Carlos Barreto é Barretão por ser o chefe de uma das famílias mais famosas do cinema nacional, por causa também da voz de trovão e principalmente pelo poder que lhe atribuem no meio. Ele não gosta muito, nega que faça lobby pessoal e diz que tem medo de virar um fantasma antes do tempo. “Querem me transformar no coronel do cinema nacional, e eu não tenho vocação para isso”, devolve.
Mas o fato é que se há polêmica, e no cinema nacional vira-e-mexe há alguma, o nome dele não demora a aparecer. A da vez é o edital de patrocínio da Petrobrás. Barreto, que há três anos não era contemplado pela estatal e no ano passado reclamou bastante dos critérios de escolha dos vencedores, não teve seu projeto selecionado pelo júri, mas recebeu uma homenagem pelo conjunto de sua obra. Isso repercutiu como um cala-boca, e acirrou ânimos quando somado ao placar de 20 projetos cariocas contemplados ante apenas 3 paulistas. Em São Paulo, há quem diga que o bom desempenho do Rio no edital é resultado da movimentação de Barreto.
Mas com quase 80 anos de vida e 40 anos de cinema, ele quer mudar de assunto, e o rumo da discussão recai sobre a TV digital. Quer saber o que o governo pretende fazer para fomentar a produção audiovisual, de maneira a dar conta da imensa demanda que o novo sistema de difusão vai criar. De olho no novo mercado, ele acaba de se associar sua LC Barreto à produtora Movie Art, de São Paulo. A joint venture vai produzir conteúdo para celular, internet, televisão e, claro, cinema. O primeiro produto da parceria é o filme Caixa 2, dirigido por Bruno Barreto e que estréia em 2 de novembro. É um dos três filmes – os outros dois são Sonhos e Desejos, de Marcelo Santiago e que estréia em 27 de outubro, e Polaróides Urbanas, de Miguel Falabella e previsto para 19 de janeiro – que a produtora realizou em menos de um ano.
No salto da empresa, está previsto também o distanciamento do patriarca, que já começa a passar o comando para os três filhos, Paula, Bruno e Fábio. “Daqui a dois anos vou ser um octogenário, tenho de começar a passar a bola”, brinca ele.
Você ficou de fora dos editais da Petrobrás por três anos, e fez críticas públicas ao processo de seleção dos projetos. Agora, mais uma vez de fora, acabou recebendo uma homenagem. Dessa forma, ela não soa como um cala-boca?
A Lucy (Barreto, produtora e mulher dele) me disse ontem que andam falando isso por aí. Mas não é nada disso. Eu fui surpreendido porque o meu projeto também não foi aprovado pela comissão. Há três anos eu não ganho lá. O que acontece é que a diretoria da Petrobrás não se mete nas decisões dessa comissão , mas resolveu me dar uma homenagem. E isso não teve nenhuma influência de minha parte. Estou ficando com medo de virar um figura folclórica e o fantasma de muita gente. “Não saiu o projeto do cara na Petrobrás? Ah, foi o lobby do Barretão.”
O comentário é mesmo de que você faz lobby e pressiona.
Quem faz lobby para mim são os meus filmes, é o meu currículo. Jamais vou fazer lobby contra alguém, em nenhuma dessas instâncias de financiamento a projetos, porque isso foge à minha visão ética. Quando eu vou fazer lobby é no Congresso, no Ministério, em função das questões gerais do setor e todo mundo sabe disso. Eu fiquei três anos indo a Brasília, de segunda a sexta-feira para batalhar a aprovação da Lei do Audiovisual. Agora, quando chega a época dos editais das estatais, as pessoas começam a achar que eu faço lobby em benefício próprio, e não é possível. Quem indica as comissões é o José Carlos Avelar, com quem eu não troco um telefonema há anos. Fui eliminado de editais da Petrobrás por três anos seguidos. Como é que eu ia fazer lobby lá agora? Isso é atribuir para mim um poder que eu não tenho. Querem me transformar no coronel do cinema brasileiro. Embora seja nordestino, não gosto do coronelato político, e nunca tive a aspiração de ser o coronel do cinema brasileiro. Mas sou um militante do cinema nacional, isso sim. Tinha um exibidor que me dizia: “Barreto, fique tranqüilo, que você já conseguiu o seu busto na Cinelândia. “
Nunca pensou em seguir carreira política?
Já recusei várias vezes convite para ser candidato. O (Leonel) Brizola vivia me perseguindo para eu me candidatar pelo PDT. Eu dizia que não podia, porque sou do PCB: do Partido do Cinema Brasileiro. Alguns colunistas daqui do Rio me chamam de presidente do PCB.
Está vendo só a fama…
Mas é um partido que não existe. O que existe é o espírito de militância na atividade, porque no Brasil ela não foi devidamente planejada e pensada como indústria. Por isso, há essa configuração de um agrupamento político.
Agrupamento que passa a impressão de que briga demais internamente, não acha?
Sim, cada edital é uma cisão. É normal, quando erros são cometidos. Não há dúvida de que houve um erro neste edital (da Petrobrás), quando se conferiu apenas três prêmios para São Paulo. Mas não acredito que não tenha sido com uma idéia de se prejudicar o cinema paulista, a Petrobrás não tem esse tipo de visão. Não podemos ficar contribuindo para desgastar a imagem de quem quer patrocinar o cinema. Se a gente acha que tem erros nos critérios, nossas entidades têm de se reunir e fazer propostas de mudanças, uma contribuição concreta. Há coisas mais importantes para se discutir, em vez de se criar imagens fantasiosas de que eu influenciei um edital.
O quê, por exemplo?
A TV digital. O novo sistema vai multiplicar os canais, e teremos só na TV aberta, no mínimo, 30 canais. Estão discutindo muito o sistema, a tecnologia, e não o fundamental que seria o que vamos produzir para abastecer essas tecnologias. Vamos cometer o mesmo erro da época da implantação da TV no País, quando se discutiu também o sistema e não o que iríamos produzir aqui para passar nos canais. O Brasil vai voltar ao enlatado. Deveria haver, urgentemente, uma política nacional de conteúdos audiovisuais. Era nisso que o Brasil deveria estar pensando. A empresa que vai explorar o nosso mercado deveria ser obrigada a contribuir para um fundo de produção de audiovisual. Fico incomodado porque a gente está sempre discutindo o acessório. É por aí que a gente se perde quando começa a eleger os fantasmas. Parece até que virei um fantasma antes do tempo.
Você acredita que a proposta de ampliação dos benefícios do artigo 3.º da Lei do Audiovisual às TVs brasileiras vai ajudar mesmo na produção?
Foi um grande passo. Isso vai permitir que as TVs brasileiras invistam parte de seu Imposto de Renda na co-produção com produtoras independentes para a produção de conteúdo. É uma questão de Justiça (as distribuidoras estrangeiras já tinham o benefício). A TV vai naturalmente se tornar co-produtora das independentes. A nossa produtora mesmo está planejando a produção de conteúdos, para TV, telefonia e internet, além de cinema. É um projeto de expansão, que tem até um núcleo de produção de animação, que estamos tentando criar na Paraíba, onde está um dos grandes animadores do mundo, o Silvio Toledo. Temos um projeto de um longa com ele, chamado Gesebel, e vamos montar a estrutura toda lá.
Você tem mesmo planos de filmar a história do presidente Lula?
Sim. Vamos filmar logo, com reeleição ou não, no próximo ano. Será ficcional, não vai ser mais documentário. Vamos conversar com a autora do livro, a Denise, para fazer o roteiro. Temos uma perspectiva de co-produção com as televisões da França e da Espanha. Deixamos passar, para não parecer eleitoreiro. Mas a história do Lula é mais emocionante que a de 2 Filhos de Francisco. Nós vamos fazer.
Patrícia Villalba