AS AMANTES DO IMPERADOR

Os mestres da patologia sexual ensinam que as prodigalidades do amor constituem uma doença. Dão-lhe um denominativo arrancado do grego clássico: satyriasis. Modernamente, o famoso Freud, com a sua complicada teoria, estudou essa tão discutida anormalidade, batizando-a com a nome de sexualismo vulcânico.

Loucuras de amor ou sexualismo vulcânico, essa foi a moléstia que atormentou a mocidade galante do nosso primeiro imperador. Amou, amou desesperadamente, na anarquia sexual das arrancadas violentas, aqui, ali, acolá, impelido apenas pelos desejos desordenados de alguns instantes, desprezando todos os preconceitos, ora nas senzalas, onde rebolavam as malcheirosas escravas, ora peregrinando pelas vielas escusas do velho Rio de Janeiro, na caça de aventuras galantes, ora prendendo nas teias do seu amor as baronesas, condessas e marquesas do Império. Foi esse o destino amoroso de D. Pedro I. O galante Imperador, di-lo o austero Escragnole Dória, não soube amar uma só vez: partiu o amor em pedacinhos.

Delavat, representante espanhol no Rio, em seu ofício de 12 de junho de 1826, dizia ao Secretário de Estado de sua pátria que D. Pedro I fora “bastante variable en sus conexiones com el belo sexo”.

Em ofício de 11 de junho de 1829, o mesmo cônsul Delavat acentuava que o Imperador “habiendo elegido para sus galanteos, entre nacionales, italianas, francesas, y aun americanas espanholas, un objeto distinto para cada semana, ninguna conseguió fijar su inclinación”.

Para o pintor Debret, autor de “Viagem Pitoresca ao Brasil”, “il s’occupe bientôt plus particuliérement des demonstrations gracieuses de quelques françaises”.

Para Oliveira Martins, escritor português, D. Pedro foi, na ampla acepção da palavra, um avatar de D. João Tenório. Alberto Rangel, o magistral e interessante retratista da Marquesa de Santos, comentou e explicou que os monarcas mulherengos, Henrique IV e Carlos II, comparados a D. Pedro, podiam ser considerados com o direito a recordes de castidade. O debochado rei Henrique II seria um ingênuo; Luiz XIV, tanto quanto o pai e o bisneto, apontados como devassos incorrigíveis pelos seus biógrafos, junto ao nosso Imperador não passariam de inocentes ermitões. A tendência de nossa raça, no modo de pensar de Alberto Rangel, alargou demais a lista das façanhas venéreas do primeiro Imperador, “salpicando-lhe a vida de historietas dignas de constituírem temas de Bocacio ou de ornarem as memórias desavergonhadas de Casanova”.

O velho e bisbilhoteiro Melo Morais, na sua tão conhecida “Crônica do Brasil (II, 173), conta que “D. Pedro I teve muitas amantes de diferentes classes, cores e condições, das quais não fazia caso, ridicularizando-as e achincalhando-lhes os maridos”. A Marquesa de Santos, acrescenta o cronista, foi a única mulher por quem o monarca se apaixonou.

Mais adiante (II,283), Melo Morais explica que “D. Pedro teve muitos filhos naturais com mulheres de várias espécies: brancas, mulatas e negras”.

Aliás, o meio social da época era propício aos desregramentos amorosos de qualquer pessoa, pois os princípios de moralidade tinham sido postos à margem, postergados tanto pelo povinho, como pela fidalguia. O mau exemplo vinha do próprio Paço. A mãe de D. Pedro farreava até com os moços da cavalariça real. E a irmã? Dela se diziam coisas inacreditáveis.

O historiador da Marquesa de Santos focalizou a sociedade do primeiro reinado com estas verdades cruas: “Que a moralidade reinante no Rio de Janeiro se apresentava bem precária, testemunham quantos observaram o nosso meio, mesmo de passagem”. Coldclengh proclamou que a esse respeito “os habitantes do Brasil não são confiáveis”. Luiz de Freycinet, nos traços salientes do carioca, encontrou o sensual, e entre os vícios dominantes, a libertinagem; refere-se ao “país onde não é difícil encontrar-se todos os gêneros de excessos”. Saint Hilaire observou que “o esquecimento da moralidade se tornou universal”, e atribui aos maus exemplos, dados pela Corte de Portugal no Brasil, o aumento dos maus costumes públicos, desde a união ilegítima até a venalidade da justiça e simonia do clero. E esse amigo da nossa terra, escarmentado, observou: “on est devenu indiferent sur les devoirs les plus essentiels; les fautes contre les moeurs sont à peine aujourd’hui des fautes”. Arago apontou o Rio de Janeiro como “une ville royalle où les vices de l’Europe debordent”.

Assis Cintra
Compilado por Edilberto Pereira Leite

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