Teatro e vida de Suassuna

O contexto cultural e político do Nordeste da década de 1930 e a biografia marcada por intrigas e tragédias de família tiveram reflexo profundo na trajetória artística do dramaturgo Ariano Suassuna, de acordo com um estudo que tomou como ponto de partida a análise das oito peças teatrais escritas pelo autor entre 1947 e 1960.

O resultado da pesquisa é o livro O Brasil dos espertos – Uma análise da construção social de Ariano Suassuna como criador e criatura, que teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações e foi lançado no dia 2 de setembro em São Paulo.

A obra terá lançamento também no Recife (PE), no dia 8. O autor, Eduardo Dimitrov, cursa atualmente doutorado em Antropologia Social, com Bolsa da FAPESP, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

O interesse pelo trabalho de Suassuna, segundo Dimitrov, começou em sua pesquisa de iniciação científica, concluída em 2003, também com Bolsa da FAPESP. O livro é resultado do trabalho de mestrado.

“A pesquisa inicial já tinha o teatro de Suassuna como foco e busquei explorar as relações dessa produção teatral com a briga que envolveu as famílias Suassuna e Pessoa e que culminou com o assassinato de João Suassuna, pai do dramaturgo, em 1930”, disse Dimitrov à Agência FAPESP.

A morte do pai do dramaturgo teria sido uma vingança pelo assassinato de João Pessoa (1878-1930), cometido por um parente de Suassuna. A morte de Pessoa foi considerada o estopim da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Mais tarde, a cidade da Paraíba, capital do estado, teria o nome alterado em homenagem a João Pessoa.

“A maioria dos historiadores classifica a morte de João Pessoa como um crime passional, mas ela ocorreu no contexto de uma tensa briga de família característica da sociabilidade nordestina dos anos 1930”, afirmou Dimitrov. Depois do episódio do assassinato do pai do dramaturgo, a família de Suassuna abandonou a capital paraibana, cidade natal de Ariano, e se estabeleceu no sertão, radicando-se em Recife algum tempo depois.

No livro, Dimitrov cita a declaração lida por Suassuna em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1990, na qual se definia como “aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte”.

“No mestrado, procurei traçar um paralelo entre a trajetória artística de Suassuna no contexto da cena teatral amadora de Recife da década de 1940 e a briga de família vivida pelos Suassuna, que teve enorme impacto na vida do dramaturgo, embora tenha terminado quando ele tinha apenas três anos de idade”, afirmou.

Dimitrov se baseou no trabalho de Ana Claudia Marques, professora do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP para caracterizar o contexto das brigas familiares e longas séries de vinganças praticadas no Nordeste da época.

“As vinganças são parte de uma dinâmica corriqueira na região. Muitos autores analisaram o reflexo desse drama na obra de Suassuna dentro do registro de um trauma de infância, utilizando uma interpretação freudiana. Na minha interpretação, essa relação aparece mais como um sistema social que leva o autor a tomar uma posição considerando o mundo no qual ele está inserido”, apontou.

Cidade e sertão

Além da análise das peças teatrais, da pesquisa em arquivos da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, em jornais e em revistas, Dimitrov baseou seu estudo em uma série de artigos publicados por Suassuna no Jornal da Semana, uma pequena publicação da capital pernambucana. Embora os artigos tenham sido publicados na década de 1970, bem depois dos acontecimentos que marcaram a infância de Suassuna, é neles que o dramaturgo conta diretamente sua versão dos fatos.

“Em dado momento, Suassuna foi provocado por uma notícia que anunciava a entrada de José Pereira – um aliado de sua família – no Museu do Cangaço. Ariano ficou indignado, pois para ele Pereira não era cangaceiro. A partir disso, começou a contar sua própria versão da história que começara na década de 1930”, disse Dimitrov.

Pereira havia sido o prefeito de Princesa, cidade da Paraíba que na época declarou independência em relação ao governo de João Pessoa. A cidade acabou sitiada pelas tropas do governo, mas jamais se rendeu, segundo Dimitrov.

“Na Revolução de 1930, na visão de Suassuna, havia uma oposição entre a cidade e o sertão. João Pessoa representava a parte urbana da guerra, enquanto os Suassuna e José Pereira representavam o lado do sertão. O pai de Ariano era um colecionador de cordel, gostava dos desafios de viola dos repentistas. A conhecida defesa que o dramaturgo faz da cultura popular nordestina é, de certa forma, uma tentativa de rememorar os valores que o pai defendia. É como se desenvolvesse a continuidade do conflito familiar em um plano artístico, simbólico”, explicou Dimitrov.

Quando produzia o texto da peça O Auto da Compadecida (1955), Suassuna tentou escrever simultaneamente uma biografia de seu pai, de acordo com Dimitrov. Mas alegou não ter condições emocionais para concluir a empreitada. “Procurei entender como esse referencial biográfico e essa herança cultural ligada ao pai acabaram aparecendo nesta e em outras obras”, disse.

De acordo com Dimitrov, o contexto cultural e político se reflete nas características dos personagens centrais de Suassuna, como João Grilo e Chicó (O Auto da Compadecida) ou Caroba e Pinhão (O Santo e a Porca).

Esses personagens, segundo ele, caracterizam-se pela esperteza, em oposição aos ignorantes – no sentido de rudes e brutos. Enquanto os ignorantes procuram vencer os conflitos pela força, os espertos acabam vencendo pelo “jeitinho”.

“Isso reflete de certa forma o conflito entre João Pessoa, que era poderoso, tinha as armas, o exército e o Estado em suas mãos. No entanto, eles não conseguiram vencer os sertanejos e conquistar Princesa. O governo fez até mesmo uma tentativa de bombardeio aéreo à cidade, mas um sertanejo com um rifle cortado atravessou as tropas e atirou na bomba antes de o avião decolar, superando o inimigo muito mais forte graças à esperteza”, disse Dimitrov.

O Brasil dos Espertos
Autor: Eduardo Dimitrov
Lançamento: 2011
Preço: R$ 44
Páginas: 332
Mais informações:
www.alamedaeditorial.com.br

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