O fim do CD, como o conhecemos hoje, já foi mais do que anunciado. De olho na substituição do disquinho prateado pelos tocadores de MP3, os selos independentes estão migrando para a internet e lançando álbuns diretamente na rede, e, o melhor, de graça.
No Brasil, há pelo menos uma dezena de gravadoras digitais no ar -e outras tantas em gestação-, que contabilizam médias de até mil downloads por título. Parece pouco, mas é um número relevante, considerando que a maioria trabalha sem patrocínio.
O retorno vem por meio de convites para shows e festivais, além de parcerias com artistas de outros lugares, inclusive do exterior. O guitarrista da dupla baiana tara- code, Gilberto Braga, 29, é um dos pioneiros nesse formato. Há sete anos, Braga despeja na rede suas produções em parceria com a cantora Andrea May.
“Temos uma média de 50 acessos [ao site] por dia. Para quem não tem divulgação, é um número muito bom”, acredita Braga. “Somos muito mais conhecidos pela internet do que pelo CD.”
Braga está utilizando sua experiência na criação do selo digital da ONG baiana Eletrocooperativa, que estréia com um catálogo incluindo as bandas Lampirônicos e Rônei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, além do cantor Lucas Santtana.
O coletivo carioca Fronha é outro exemplo de abertura de caminhos pela rede. Mesmo fazendo uma produção experimental -e pouco conhecida até na cena de música eletrônica-, eles foram convidados a participar da edição de 2004 do festival mineiro Eletronika graças ao selo Fronha Records, no ar desde 2002.
“Somos 15 pessoas que criam o tempo todo e vamos escoando a produção pelo site”, fala o músico Marcelo Mendes, 36, um dos integrantes do Fronha. O selo já contabiliza 36 lançamentos, entre EPs (formato com três ou quatro faixas), discos e singles, alguns com mais de mil downloads, como o do projeto KKFS. Além do show em Belo Horizonte, o selo rendeu a Mendes um disco em parceria com produtores alemães. “Fiz amigos no mundo todo”, diz ele.
Boom
Se no Brasil eles começam a se espalhar agora, no exterior os selos digitais, ou “netlabels”, como são conhecidos, são populares desde a década de 90, época em que surgiram sites como o do extinto coletivo Kosmic Free Music Foundation, com produções gratuitas na internet. Atualmente, a seção dedicada a essas gravadoras na principal biblioteca virtual, a Archive, lista 7.980 endereços, com músicas de todos os estilos.
Na Europa, existem até festivais dedicados a reunir essa produção, como o Netaudio´06 – London Netlabel Festival, que acontece dias 15 e 16 de setembro, em Londres -em 2005, ocorreram eventos também na Alemanha e Suíça.
“De fato é uma tendência. [Os selos] devem surgir no formato de portais, distribuindo gratuitamente ou vendendo as faixas”, prevê Messias Bandeira, 39, diretor da Faculdade de Tecnologia e Ciências, na Bahia, e autor de uma tese de doutorado sobre como as tecnologias estão repercutindo na indústria fonográfica.
Portais x Selos
Bandeira acredita que esse é um modelo que está “engatinhando”, mas que é “bastante promissor”. “Em cinco anos, o que a gente entende como mercado fonográfico hoje estará completamente diferente”, vislumbra ele.
No momento, não há um formato pré-determinado para que um selo seja considerado digital. O que há, sim, é uma tentativa dos “netlabels” de se diferenciar de portais de música, como o Trama Virtual.
“O portal é um aglomerado para divulgação de artistas, como o My Space, por exemplo. O selo seria um passo depois disso”, afirma o DJ Tee, 26, do selo digital de música eletrônica Conteúdo Records, de Belo Horizonte.
Esse passo, seria, essencialmente, a preocupação com uma direção artística, que reúne as músicas em singles e EPs, os mais comuns no momento, ou CDs, principalmente coletâneas.
“Os selos têm um catálogo e se tornam conhecidos por eles”, explica Tee. Na lista do Conteúdo Records consta o “Mourisco EP”, lançado em dezembro de 2005, com músicas dos produtores Menorah, 3nity e Duduart.
“Faremos lançamentos periódicos para mostrar para as pessoas que o selo não precisa existir fisicamente”, conta Tee.
Finanças
Por enquanto, os brasileiros fazem tudo na camaradagem: ninguém paga para incluir a música, ninguém paga para baixar. Mas como sobreviver no futuro?
“Acredito em uma possibilidade de patrocínio”, diz Fernando Rosa, 52, do selo de rock Senhor F, de Brasília. Rosa, que lançou 16 singles, cada um com uma média de mil downloads, explica que, para vender, é preciso desenvolver um sistema operacional “pesado”. “Posso até cobrar, mas não acredito muito nisso. Se as pessoas não compram mais CD, por que vão pagar para baixar na rede?”, questiona.
Bandeira discorda: “Acho plenamente possível o artista sobreviver com a internet. Ele pode vender faixas, CDs, DVDs, explorar todas as possibilidades”.
É pagar para ver…