Oração é uma fórmula de súplica a Deus, a Nossa Senhora e aos santos, para louvá-los, agradecer-lhes e pedir-lhe os favores de que necessitamos. É inegável a religiosidade de nosso povo, que possui orações para as mais diferentes situações: ao levantar-se, ao viajar, no trabalho, nas doenças, e até rezas fortes para “fechar o corpo” e curar quebrantos, maus olhados, feitiços e outros males que o afligem.
Muitas dessas orações são formas deturpadas de rezas católicas, outras de ritos mágicos — com força e poder para qualquer circunstância.
Algumas nos foram transmitidas por nossos pais, avós, parentes e amigos, outras são recitadas apenas pelos rezadores ou benzedores, nem sempre acompanhadas pelo enfermo perdendo a “força” quando ensinadas. Há também as que não são rezadas, mas descritas e trazidas dobradas e cosidas num saquinho dependurado ao pescoço ou guardado no bolso.
Além dos termos já tradicionais dessas rezas, nelas se pode notar a presença de palavras misteriosas, nomes sagrados, sugestivos pelo inusitado do vocábulo, pela magia de suas letras e pela ordenação de seus termos.
Aliás, não é outra a minha intenção, no incluir neste capítulo do folclore linguístico as rezas e benzeções, para bem se avaliar o alcance da linguagem popular, em uma circunstância especial de sua vida; quando se dirige à divindade, ao sobrenatural.
Além das benzeções — que normalmente exigem oficial especializado: rezadeiras, benzedeiras ou curandeiros — distingo três tipos de orações ou rezas:
a – as preces populares de adoração e agradecimento ou pedido de graça
b – as orações irreverentes de comezainas e beberetes
c – as orações fortes ou rezas fortes.
Preces populares
Nas famílias religiosas é costume, quando a criança começa a falar, sua mãe lhe ensinar as primeiras orações, que logo acabam decoradas e conservadas ao longo de sua existência, quando o indiferentismo não as condena ao esquecimento.
1. Oração para guardar a pessoa
Com Deus eu hei de passar o dia, com Deus hei de viajar; com Deus hei de almoçar, jantar, passear ou viajei, com Deus hei de deitar, sete anjos nos pés e quatro na cabeceira. Nossa Senhora é minha mãe. São Pedro é meu parente, Jesus na cruz na frente (Colhida em Juiz de Fora)
2. Orações irreverentes
São aquelas que o povo, valendo-se de fórmulas tradicionais da liturgia cristã, deturpa todo o sentido religioso da prece, adapta-se a temas de comidas e bebidas, especialmente a cachaça, a bebida alcoólica número um do brasileiro, a qual, ela só, responde por um vasto populário.
Creio em Deus Padre da Cana
Creio, tenho fé e esperança nos grandes canaviais, na utilidade do gole e todo produto da cana e caninha; creio na aguardente que é o nosso alimento, o qual foi concebido por obra e graça do alambique; nasceu de um puríssimo canudo, padeceu sob os apertões e prisões das moendas, foi derramado e sepultado no cocho; no terceiro dia ressurgiu das garrafas bem arrochadas de onde há de vir alegria para os grandes e pequenos. Creio no espírito dos 40º, na santa safra do mel, na diminuição dos impostos, na remissão dos sem pena, na eternidade da cana, na salvação dos pinguços, na ressaca eterna, assim seja.
3 – Oração de São Jorge
Jesus adiante, paz na guia, encomendo-me a Deus e à Virgem Maria, minha mãe, doze apóstolos meus irmãos; andarei este dia e noite, meu corpo cercado e circulado com as armas de São Jorge, o meu corpo não será preso, nem meu sangue derramado, andarei tão livre como andou Jesus Cristo nove meses no sagrado ventre da Virgem Maria. Amém.
Meus amigos terão olhos e não me verão, terão boca e não me falarão, terão pés e não me alcançarão, terão mãos e não me ofenderão.
4 – Benzeções
A benzeção, ou benzedura, é feita pelo benzedor, benzedeira ou pelo curandeiro, que tem orações para tudo. São muito as benzedeiras em Juiz de Fora e em toda a região. A maioria garante curar qualquer doença, e nenhuma aceita dinheiro pela benzeção: “O que se recebe de graça (o dom de curar) deve ser dado de graça”. dizem eles.
Misturam orações católicas (Pai-Nosso, Ave-Maria, Glória ao Pai, com invocações religiosas e um palavreado de força mágica.
Para caxumba
(recolhida em Juiz de Fora)
Caxumba, sai daqui,
que a pá de angu anda em cruz.
em cima de ti.
(reza-se três vezes, com uma pá de mexer angu, aquecida ligeiramente no fogo e passada em cima da caxumba, enquanto a benzedeira diz as palavras acima)
Para curar cobreiro
(colhida em Bica-MG)
— Pedro, que tendes?
— Senhor, cobreiro.
— Pedro, curai.
— Senhor, com que?
— Água da fonte e erva dos montes.
(benze-se com um raminho verde de vassourinha que é imergido em um copo d’água e usado como híssope, para aspergir o local afetado).
Para curar erisipela
(colhida em Bicas-MG)
A erisipela dá na pele,
da pele dá na carne
da carne dá no osso,
do osso dá no tutano,
do tutano vai em Roma.
permita a Virgem Maria
que ela aqui não torne a dar.
(transcrito do livro Folclore literário e linguístico, de Antôntio Henrique Weitzel, de Juiz de Fora, MG)
Para curar vários males
(colhida em Juiz de Fora, MG)
Quebranto, mau olhado, inveja, sol, dor de cabeça, dor nos braços,
dor nas pernas, ar;
grande nome é o seu.
maior é o de Jesus.
com dois te puseram,
com três eu tiro.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo
e das três pessoas da Santíssima Trindade.
Quebranto, mau olhado, inveja, sol, dor de cabeça, dor nos braços,
dor nas pernas, ar;
qualquer coisa;
tudo leva pro mar sagrado,
onde não faz mal a ninguém.
(reza depois um Pai-Nosso e uma Ave-Maria).
5 – Juramentos
O ato de jurar, tomando-se como testemunha algo que se tem como sagrado ou muito afetuoso, é uma constante na linguagem popular. Para alguns, isto é uma verdadeira mania. Basta uma simples declaração a que alguém de ares de incredulidades e vem os juramentos.
— Pela vida dos meus filhos!
— Quero chegar em casa e encontrar minha mãe morta!
— Por Deus do Céu, quero morrer nesta hora!
— Por Nossa Senhora!
— Por este sol que me alumia!
— Quero ficar cego se não for verdade!
— Por estes olhos que a terra há de comer!
(transcrito do livro Folclore literário e linguístico, de Antôntio Henrique Weitzel, de Juiz de Fora, MG)
(“Orações e benzeções”. Folclore. Pirapora, 31 de agosto a 06 de setembro de 1984)
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