O instrumento do Brasil

Em Violão e Identidade Nacional, a musicista e pesquisadora carioca Marcia Taborda faz uma história social do violão no Brasil.
Em Violão e Identidade Nacional, a musicista e pesquisadora carioca Marcia Taborda faz uma história social do violão no Brasil.

 “Se a modinha é a expressão lírica do nosso povo, o violão é o timbre instrumental a que ela melhor se casa.” Hoje, a afirmação do escritor Manuel Bandeira na Revista da Música Popular, em 1956, parece óbvia. Mas a constatação de que o violão é o principal instrumento nacional só se tornou um consenso a duras penas e ao longo de, pelo menos, um século de história da música brasileira. Do período de profundas mudanças na sociedade geradas pela chegada da corte de d. João VI em 1808 à era do rádio dos anos 1930, a história do violão é contada em detalhes pela musicista e pesquisadora Marcia Taborda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no livro Violão e Identidade Nacional (Civilização Brasileira).

 

Resultado de uma tese de doutorado em História Social na UFRJ, o livro abrange desde as origens do violão – suas nomenclaturas e evolução – até a disseminação do instrumento, e o seu papel na formação da identidade nacional a partir dos gêneros genuinamente brasileiros que ajudou a criar, “metamorfoseando” o repertório europeu. Por meio de uma rica documentação, Marcia traça a história do instrumento, tanto nos salões de concerto quanto nas ruas, e mostra características da sociedade carioca e alguns dos seus principais personagens.

 

Tensões sociais

 

Entre os personagens mais ilustres do livro estão o compositor Heitor Villa-Lobos e o escritor Lima Barreto. Eles foram alguns dos mediadores entre o violão da cultura popular, estigmatizado por ser o principal companheiro de boêmios e “malandros”, e uma elite mais interessada em gêneros europeus. Essa tensão entre as tradições popular e erudita, que a autora prefere tratar pelo viés da interação, permeia todo o livro, mas ela não se entrega a generalizações.

 

“O que sempre me chamou a atenção é que o violão sempre esteve presente em todas as classes sociais. Gêneros como o lundu, o maxixe e o samba foram adotados pelas classes populares, o que fez com que o discurso ressaltasse isso. Mas já havia figuras da elite que se dedicavam ao instrumento”, explica Marcia, que lembra a presença do violão no Palácio do Catete, durante a presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914), pelas mãos da primeira-dama Nair de Teffé.

 

Identidade nacional

 

As interações entre a cultura dos morros e dos bailes, que abrasileirou danças europeias como as valsas e polcas, estão na origem de gêneros que seriam promovidos a “música nacional”. O Rio de Janeiro, ao concentrar a indústria fonográfica, as rádios, a imprensa e o cinema no período tratado no livro, atuou como centro irradiador de mudanças culturais. O repertório do violão, seus sons, os ambientes em que era tocado e os gêneros que ajudou a desenvolver, foram identificados como inegáveis características nacionais.

 

O reconhecimento dessa identidade, uma das discussões mais presentes na história cultural brasileira, também é discutida pela autora. Marcia apresenta uma revisão conceitual e crítica de visões como a dos modernistas, marcada pela tensão entre a postura cosmopolita e o tradicionalismo nacionalista.“A sociedade estava mudando muito na passagem do século 19 para o 20, daí a recorrência desse tema – essa preocupação sobre o que é o nacional”, diz Marcia. “Hoje em dia, isso perdeu o sentido, porque a difusão da cultura e da música mudaram completamente.”

Entrevista

Marcia Taborda, musicista e autora do livro Violão e Identidade Nacional

 

O livro fala em uma tensão entre a cultura popular e de elite que marcou a história do violão. Há quem diga que, a partir da bossa nova, a situação se inverteu e que a Música Popular Brasileira se tornou até mesmo elitizada. Qual o lugar do violão hoje?

 

A bossa nova quebrou o mito, porque, no âmbito da música popular, o violão teve acolhimento na elite da zona sul carioca. Isso foi uma imagem que não só permeou a música brasileira no Brasil como a sua presença fora do país. No âmbito da música popular, o violão sai das ruas e chega à elite. A bossa nova, de certa forma, simboliza isso, mas já virou elemento do passado. Acho que hoje ela já não simboliza mais a música no sentido de ser a expressão brasileira, não só no Brasil, como no mundo. Mas o violão continua presente, acompanhando grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e João Bosco.

 

O violão segue sendo o principal meio de expressão da cultura brasileira?

 

O violão continua tendo papel fundamental. Ele é um instrumento muito tocado em todas as classes sociais, em todo o país. Continua sendo um instrumento que sempre se difundiu por sua portabilidade, facilidade e preço, não só porque está relacionado aos diversos gêneros da MPB, mas pelas facilidades que implica, apesar de ter uma técnica muito difícil de ser dominada.

 

No livro, o violão tem um papel importante na criação de novos gêneros, que acabaram formando a própria música popular brasileira. Ele continua ocupando esse lugar?

 

Hoje está uma coisa mais acomodada. Quem tenta subverter a ordem é gente de música popular com influência da musica de concerto, como Chico Mello, um paranaense que vive em Berlim, e Carlos Careqa. Mas é difícil dizer. Artistas que surgiram nos festivais [da década de 1960] continuam aí. Não tem surgido nada de novo em termos de uma proposta. A canção não mudou, os arranjos não são mais criativos do que já foram. Acho que, realmente, vivemos um momento de estagnação.

 

CD europeu de Yamandu Costa tem lançamento nacional

Primeiro trabalho realmente autoral de Yamandu Costa, um dos principais violonistas brasileiros, o disco Mafuá, gravado em 2007, finalmente é lançado no Brasil. O CD, de 13 faixas instrumentais – dez de autoria do violonista –, foi lançado na Europa em 2008, e chega às lojas brasileiras pela Biscoito Fino.

 

 

Serviço

 

Violão e Identidade Nacional, de Marcia Taborda. Civilização Brasileira, 304 págs., R$ 34,90.

Rafael Costa

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