O professor da Universidade Federal da Bahia e ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura Albino Rubim, 57 anos, reconhece que conseguiu uma coisa razoavelmente improvável: ser uma unanimidade dentro das múltiplas vertentes que habitam a sigla PT. “Fiquei surpreso e honrado de saber que a indicação do meu nome foi consensual na reunião do partido para definir o secretariado”, diverte-se o novo secretário da Cultura, que assume a pasta gerida por quatro anos pelo diretor de teatro e dramaturgo Marcio Meirelles.
Rubim assinou, na tarde de ontem, com mais quatro novos secretários, o termo de posse. Mas contou, em entrevista exclusiva ao CORREIO – primeira que concedeu na sua nova função –, que ainda está em processo de transição: “Uma das coisas que eu e Marcio vamos fazer é combinar quando vai ser a transmissão de cargo”, declara. Ele, que sempre era chamado de “eminência parda da cultura baiana” rechaça o título (“Acho dizer isso até um desrespeito a quem estava à frente da política cultural”), aplaude a gestão de seu antecessor e quer, à frente da pasta, encontrar um equilíbrio entre a continuidade de gestões e as coisas que ainda estão por fazer.
Você já conversou com o governador Jaques Wagner sobre as expectativas dele para a nova gestão da pasta da Cultura?
Esse processo de virar secretário foi muito rápido. Eu não estava minimamente com isso no meu horizonte. Tanto que fui, realmente, meio pego de surpresa. Após a confirmação, ele me falou um pouco da visão dele, das preocupações dele com esse segundo mandato, em aprimorar a gestão, falou dos compromissos que tinha assumido na área de cultura e que ele gostaria de ver realizados. Colocou muito a questão da continuidade de uma série de políticas, que eu também concordo, que foram muito bem feitas pela secretaria, a exemplo da política de interiorização, que é brilhante e que tem de ser continuada. A outra preocupação dele é que o movimento da cultura busque, cada vez mais, incorporar o cidadão.
Como será equacionado o acesso à cultura para o cidadão comum e para os produtores e gestores da área?
A gente fala genericamente de política cultural, mas política cultural tem de ter várias vertentes dentro dela. Existe uma política cultural mais ampla, pra toda sociedade. De outro lado, tem que existir política também para setores da cultura mais profissionalizados. São políticas diferenciadas, claro, uma coisa é uma política de teatro para todo cidadão, que não é a mesma política para o teatro profissional. Essa é uma das intenções que eu levo para a secretaria, que se tenha políticas diferenciadas.
Um dos pontos mais visíveis da política cultural da primeira gestão de Wagner foi a interiorização. Como ela vai ser pensada em sua gestão?
A interiorização é um desafio imenso, a Bahia é um estado pobre, que é do tamanho da França. Acho que a secretaria tem de manter a lógica que foi instituída por Marcio, que é trabalhar os territórios de identidade, porque isso ajuda ter todo esse contato com os municípios. É fundamental que a gente tenha uma política que seja estadual, efetivamente. A política cultural da Bahia, muitas vezes terminava sendo uma política cultural pra Salvador. O período de Marcio foi importantíssimo de começar a reverter isso de forma significativa. Porque não é o estado que tem de dar conta da cultura da cidade; também deve dar conta disso. Mas deve dar conta da Bahia como um todo, não deve se concentrar em Salvador.
Como será tratada a questão do Plano Estadual de Cultura?
O plano precisa ser uma coisa que faça um bom diagnóstico, defina alguns problemas cruciais e dê prazo para enfrentá-los. No caso da Bahia, não foi até agora elaborado um plano. O que foi elaborado foi uma Lei Geral da Cultura, que criava uma certa estrutura no campo da cultura. Mas um plano, mesmo, ainda não foi esboçado. Este é um dos nossos trabalhos. E a gente vai discuti-lo com a sociedade, os produtores culturais, os criadores para realizar um plano que, de um lado, seja democrático e, de outro, muito factível de ser realizado num determinado prazo.
Quais os principais problemas da cultura baiana e quais os caminhos a serem seguidos?
Primeiro problema, que tem a ver com a pobreza do estado, é a exclusão cultural, que também é uma exclusão educacional. Nós temos problemas seríssimos nos índices sociais e de educação na Bahia. Outro problema é a sustentabilidade do campo da cultura, que é muito limitada. Queremos discutir com os setores da cultura uma sustentabilidade melhor, o que o estado pode fazer para que haja um mercado cultural sedimentado aqui. Outro ponto é a questão de acesso à cultura, que eu acho fundamental pra que esse direito cidadão seja realmente exercido, enquanto consumidor de cultura, produtor ou pessoa que participa do debate de cultura na sociedade. Outra exclusão imensa é essa, poucas pessoas participam do debate cultural, como se a cultura fosse uma coisa alheia à vida das pessoas.
A gente precisa mostrar como a cultura é importante na vida das pessoas e que elas têm o direito de participar, discutir, influir e pressionar. A questão da diversidade é outra coisa fundamental, porque, em determinados momentos, algumas políticas culturais enfatizaram muito uma monocultura, uma cultura que afirmava apenas uma identidade. Então, queremos criar uma política cultural – a gestão de Marcio já fez isso –, que enfatize muito esse respeito à diversidade, mostrar que a riqueza da Bahia é exatamente a diversidade que ela tem. Vamos trabalhar muito nessas linhas transversais, de vincular cultura com outras áreas, como educação, comunicação, ciência e tecnologia.
Como vai lidar com os pontos nevrálgicos da primeira gestão da cultura de Wagner, que foram o trato com o mercado cultural de Salvador e a gestão do Pelourinho?
É muito importante ouvir as comunidades culturais e vamos fazer essa escuta. Vamos tentar desenvolver uma política cultural mais profissional com os artistas e os setores organizados. Mas não podemos substituir uma política que devia ser desenvolvida pela cidade. Seria muito importante que Salvador avançasse nisso. Tem umas demandas que, às vezes, são endereçadas ao estado e que deviam ser endereçadas ao município.
Salvador tem que ter uma política cultural, tem que ter uma atuação firme, uma prioridade e investimento no campo da cultura. O que a secretaria de estado puder apoiar nesse sentido, vamos apoiar. Já no tocante ao mercado cultural, a política deve se voltar para a sociedade como um todo, deve ser uma política de cidadania cultural. Isso não implica que não haja políticas específicas. Se você diz que a política não é mais pros criadores apenas, tem que ser mais ampla, você, então, tem que ter uma política para os criadores. E a gente vai perseguir isso. A outra questão é o Pelourinho. É preciso deixar claro: o Pelourinho está numa situação complicada, mas não é de agora, também. Tentou-se associar muito isso ao governo Wagner. Acho uma injustiça total, porque o processo de complicação e degradação do Pelourinho é anterior a isso. O modelo que foi implantado ali era um modelo que talvez não se sustentasse, todo marcado pelo turismo. O turismo não vai sustentar o Pelourinho. Esse modelo que foi implantado tinha problemas que vinham de antes e que foram se agravando. É um desafio, e está, em boa medida, com a Secretaria de Cultura. Não é uma questão simples, que você tira da cartola. É uma questão que a gente vai ter que enfrentar.
Você pretende manter o staff que aí está?
De maneira nenhuma já pensei sobre equipe. Vou me sentar com a equipe toda que aí está para ter uma visão plena. A começar com uma conversa com Marcio, pra ter uma visão pormenorizada do que a secretaria está fazendo. A partir daí, vou fazer um equilíbrio de mudar o necessário e manter o que está funcionando bem.
Ceci Alves|Redação CORREIO
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