70 Anos sem Chiquinha Gonzaga!

Chiquinha Gonzaga

 17/10/1847    28/2/1935

 

 

 

 

 

 

Chiquinha Gonzaga

 

 

 

 

 

Primeira mulher a se destacar como compositora na história da música popular brasileira, começou a compor canções e valsas na adolescência. Teve uma vida atribulada, separando-se do marido e conquistando sua independência numa época em que isso causava escândalo na sociedade brasileira. Foi professora de piano e freqüentava rodas de choro, tocando em festas e bailes com outros chorões. Seu primeiro sucesso foi a polca “Atraente”, de 1877. Fez também música para teatro, apesar da resistência que tinha de vencer por ser mulher. Atuou algumas vezes como maestrina, regendo orquestras e bandas. Politizada, participou ativamente das campanhas abolicionista e republicana na década de 1880. Nos primeiros anos do século XX viajou pela Europa apresentando suas músicas. Na volta ao Brasil musicou peças e compôs operetas. Seus maiores sucessos são a marcha carnavalesca “Ô Abre Alas”, que compôs para o cordão Rosa de Ouro, e o tango estilizado “Gaúcho”, também conhecido como “Corta-jaca”, por ser esse o nome do estilo musical. Em 1999 a TV Globo produziu a minissérie “Chiquinha Gonzaga”, de enorme êxito, sobre a vida da compositora, promovendo um boom de regravações, lançamentos de discos e biografias.

 

 

 

Biografia

 

 

Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em 17.10.1847 na cidade do Rio de Janeiro, filha de José Basileu, então 1º tenente, mais tarde marechal, e da modesta mestiça Maria. O casamento de ambos só seria formalizado 3 anos depois. A avó paterna de Chiquinha tinha parentesco com a avó paterna do então Marquês de Caxias.

Chiquinha recebeu boa educação geral e adequada formação musical, tendo aulas provavelmente com o maestro Elias Álvares Lobo. Com 16 anos, em 1863, casa-se com Jacinto do Amaral, 8 anos mais velho, moço de posses e projetos ambiciosos, nascendo-lhes logo 2 filhos: João Gualberto e Maria do Patrocínio. Jacinto, muito ciumento, obrigou-a e o filho João Gualberto a acompanhá-los em penosas viagens do seu navio cargueiro até o Paraguai durante a guerra de Solano Lopes, que fretava para transportar armas, soldados e escravos.

O casamento não era feliz, pois Jacinto, intransigente, não admitia que Chiquinha cultivasse a música, que tanto amava, no piano que levara no dote. Por fim, impõe-lhe um dilema: ele ou a música! Chiquinha não tem dúvidas: “Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia!

Deixa então a casa, mas volta porque se descobre grávida de um terceiro filho: Hilário. Pouco depois, contudo, abandona de vez o lar, para escândalo da sociedade patriarcal e repúdio do pai, que a “declara morta e de nome impronunciável”.

Nessa ocasião, passa a freqüentar o ambiente masculino e nada recomendável dos músicos populares tornando-se amiga do grande flautista e compositor Calado, considerado o Pai dos Chorões Brasileiros, que muito a estimava. Também se liga apaixonadamente a João Batista, jovem e rico engenheiro de inclinação boêmia. Para continuar junto dele, e ao mesmo tempo aliviar as pressões na Corte, não hesita em acompanhá-lo quando é contratado para dirigir a construção de linha férrea no interior de Minas Gerais.

Terminado o contrato em 1875, voltam para o Rio de Janeiro havendo o nascimento de uma filha de ambos: Alice. João Batista resolve de novo fixar-se em Minas, numa fazenda de sua propriedade. Chiquinha, cansada do seu comportamento mulherengo, logo o deixa, sendo a gota d’água o episódio em que o surpreende com outra. Apesar dos pesares, João Batista foi o grande amor de sua vida.

Com o primogênito João Gualberto, Chiquinha vai residir no bairro de São Cristóvão, no Rio. Precisa trabalhar para sobreviver e, para isso, ministra aulas particulares de disciplinas escolares e de piano. Reaproxima-se do amigo Calado, com quem consegue alunos de piano e a oportunidade de tocar em grupos de choro. Historicamente, é a primeira mulher e o primeiro pianista do choro. Ao mesmo tempo, encontra na composição de músicas outro caminho para algum ganho e expressão de sua arte.

Com a primeira música que consegue imprimir, a polca Atraente, em 1877, obtém uma aceitação extraordinária, traduzida em mais de 15 edições. Daí em diante, fica cada vez mais conhecida à medida que são editadas outras músicas em papel e, mais tarde, pode apresentá-las no teatro musicado.

Famosa e comentada, alvo da maledicência e de preconceitos, tem ativa participação nos movimentos que empolgam a época, como a revolta, em 1880, contra o imposto do vintém nas passagens dos bondes, a abolição da escravatura, finalmente alcançada em 1888, e a implantação da República no ano seguinte.

Em 1885, já tinha derrubado outras barreiras. Na terceira tentativa, consegue com que uma peça de sua autoria, A Corte na Roça, seja encenada. As duas anteriores com músicas suas, Viagem ao Panasco e Festa de São João, não foram aceitas pelo fato de ser mulher e não haver precedente. Torna-se, assim, a primeira compositora brasileira a ser levada à cena. Nesse mesmo ano, num espetáculo em seu benefício, consagra-se igualmente como a primeira mulher a dirigir uma orquestra, portanto a primeira maestrina que tivemos.

Em 1899, para o Cordão Rosa de Ouro, do Andaraí, compõe a marchinha de rancho Abre Alas, considerada a primeira música composta especialmente para o carnaval, desde então símbolo do mesmo, ainda que decorrido todo um século.

Seu coração inquieto e ardente ainda tinha espaço para o amor. Também em 1899, já com 52 anos, une-se a João Batista, de apenas 16 anos, e o apresenta como filho, solução que julga suficiente para evitar maiores constrangimentos. Os que a conhecem, por admiração e amizade, fingem acreditar. Malgrado a diferença chocante de idade, foi uma união tão forte que duraria até seu falecimento, e mais além, já que Joãozinho jamais trairia a memória da “mãe” com revelações indiscretas.

Por 3 vezes esteve em Portugal. A primeira em 1902, desembarcando na volta com o “filho” Joãozinho, que por fim assumia publicamente, mas que ninguém conhecia, apesar de já bem criado. Na viagem de 1904, sempre com Joãozinho ao seu lado, passa meses. Na última viagem, que durou de 1906 a 1909, e que desenvolve atividade profissional, com destaque, no teatro de revistas português.

De novo no Brasil, toma pé no meio musical, nada mais que a retomada do seu legítimo lugar, para assinalar, em 1912, o maior êxito, até hoje, do teatro brasileiro, a burleta Forrobodó, com texto de Carlos Bettencourt e Luiz Peixoto. Outras peças de Chiquinha, nos anos seguintes, continuariam a merecer o favor do público, entremeadas com o escândalo que foi a execução, mesmo que apenas em solo de violão, do seu popularíssimo tango Corta-Jaca, em 1914, no Palácio do Catete, por decisão de Nair de Tefé, mulher do presidente Hermes da Fonseca.

Sempre lutadora, levantou também bem alto a bandeira do direito autoral. Era a única mulher entre os 21 fundadores, em 1917, da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais), que acompanharia de perto no seu dia-a-dia enquanto viveu. A SBAT muito deveu também a Joãozinho Gonzaga, seu funcionário, incansável na cobrança dos direitos. Reconhecendo os bons serviços prestados, a SBAT, em assembléia, mesmo não sendo ele escritor, considerou-o o sócio-efetivo e benemérito.
Até falecer, em 28.2.1935, no Rio de Janeiro, com 87 anos, Chiquinha não sentiu esgotada a sua capacidade criativa. Em 1933, era levada à cena sua última peça original, Maria, no Teatro Recreio, tendo texto de Viriato Corrêa, com quem tinha marcado os êxitos memoráveis de A Sertaneja, em 1915, e Juriti, em 1919.

Maior vulto de compositora popular brasileira, Francisca Edwiges Neves Gonzaga contribuiu, inestimavelmente, para a formação do nosso nacionalismo musical e, tantas vezes pioneira, teve a coragem de viver, com intensidade e desassombro, tudo o que lhe ditava o coração de mulher adiante do seu tempo.

Texto escrito por Abel Cardoso Junior

Bibliografia: Chiquinha Gonzaga, Uma História de Vida, Edinha Diniz, Editora Codecri, 1984; Panorama da Música Popular Brasileira La Belle Époque, Ary Vasconcelos, Livraria Santana, 1977; Música Popular-Do Gramofone ao Rádio e TV, José Ramos Tinhorão, Editora Ática, 1981.

 

Compartilhar: