Chico põe a família no meio – O Irmão Alemão

Em “O Irmão Alemão”, Chico Buarque cria boa ficção a partir de caso que envolveu sua família; mas autor peca pelo uso excessivo do acaso
Quinto romance do escritor e nome de referência da MPB foi lançado na semana passada pela Companhia das Letras

Chico Buarque já tem voz própria na literatura. Desde que estreou no romance com “Estorvo” (1991), os narradores das obras do escritor são marcantes, principalmente nas histórias narradas em primeira pessoa, como em “Budapeste” (2003), bastante aplaudido pela crítica, e em “Leite Derramado” (2009), nem tão bem apreciado assim pelos críticos.

Em “O Irmão Alemão”, mais novo romance do autor, também temos um narrador em primeira pessoa, uma pessoa irônico e inquieto. O nome dele? Francisco de Hollander, o Ciccio, professor de língua portuguesa e filho de um intelectual chamado Sérgio de Hollander.

Com esses personagens – além da Assunta, mulher de Sérgio e mãe de Ciccio – e muitos outros, o escritor compõe uma narrativa marcada por idas e vindas e devaneios do narrador, cujo o objetivo aparente é encontrar o meio-irmão alemão.

O principal fio condutor do romance é a busca de Ciccio por Sergio Ernest, o filho alemão de Sérgio Hollander. No começo da década de 1930, o intelectual trabalhou como jornalista em Berlim, onde conheceu Anne Ernest e supostamente a engravidou.

O personagem-narrador descobre a história após encontrar uma carta no meio dos livros do pai. Os livros do pai, aliás, compõem uma história paralela. Ciccio cresceu vendo os livros do pai em toda parte da casa. “Até então, para mim, paredes eram feitas de livros”, diz ele, a certa altura do romance.

Em diversas passagens do livro, percebemos que a busca pelo irmão alemão é “só” mais uma busca. O que Francisco de Hollander quer é, a partir da busca de Sergio Ernest, encontrar o próprio pai, que, segundo ele, dá mais atenção ao irmão mais velho e aos livros que a ele, Ciccio.

Essa busca pelo outro para encontrar o amor do pai e, por consequência, a si mesmo, é instigante. Pela busca do irmão, que começa primeiro em São Paulo na década de 1960 e termina em 2013, o autor-narrador encontra pistas e monta um quebra-cabeças à Sherlock Holmes, personagem imortal do inglês sir Arthur Conan Doyle – guardado o fato de que a trama de Chico não é propriamente uma história policial. Portanto, é sem a sagacidade e a capacidade dedutiva do investigador inglês, até porque elas não são um condição necessária à sua fabulação, que Francisco/Chico/Ciccio cria situações em que vê o irmão alemão, ou imagina que o vê, em todos os lugares: em um bar, no aeroporto ou mesmo na rua. Essa rápida epifania, que depois se torna frustração, é um dos pontos altos do romance.

Por outro lado, Chico Buarque erra a mão ao trabalhar demais com as artes e manhas do acaso. É por acaso que Ciccio conhece uma flautista, que por acaso teve aula com um pianista, que por acaso pode ter sido o padrasto de Sergio Ernest – para ficar apenas nessa sequência de acasos que abundam em “O Irmão Alemão”.

Ficção do real
Ao leitor que se pergunta se o livro é unicamente um romance ou uma forma de expurgar o que aconteceu no passado, ficamos com a primeira opção, mas sem negar totalmente a segunda. Apesar de se valer de elementos reais (o irmão Sergio Ernest de fato existiu, foi apresentador de TV, gravou LPs e morreu em 1981, em decorrência de um câncer; o pai, o sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, de fato vivia dentro do escritório trabalhando), é a ficção que move a história e, afinal, é a ficção que predomina na obra, a qual, por outro lado, não nega sua inspiração no real.

Em determinado momento, Ciccio fala sobre o que irmão alemão poderia fazer se estivesse no Brasil e não encontrasse a família. “Resignado, por fim, ao fiasco de suas investigações, meu irmão pode estar colhendo aqui e ali matéria para um romance autobiográfico onde inventará um pai brasileiro, não muito distante da imagem que faz de seu pai incógnito.” É Chico brincando com o jogo de espelhos como fez em Budapeste (neste, magistralmente).

Quem fez isso foi Ciccio, digo, Chico, que foi até a Alemanha, realizou entrevistas, colheu documentos e informações para, depois, escrever um belo romance: que, por ser relativamente simples, não deixa de ser um bom livro, de interessante leitura.

 

PARA LER
“O Irmão Alemão”
Chico Buarque
Ed. Companhia das Letras
240 páginas
R$ 39,90

 

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