Literatura Brasileira

Obras elaboradas no Brasil desde os textos de informação, informações que os viajantes e missionários europeus colhiam sobre a natureza e o homem do Brasil colônia, até nossos dias. Do ponto de vista literário interessa destacar a evolução das formas estéticas que correspondem aos estilos artísticos que tiveram representação no Brasil. A primeira etapa corresponde ao barroco literário. A segunda, às transformações do barroco, às tentativas de renovação arcádica e neoclássicas e ao romantismo e seus prolongamentos. A terceira, às tendências do fim do século: modernismo e pós-modernismo.

Segundo Antônio Cândido, a literatura brasileira pode ser dividida em três períodos: 1º: a era das manifestações literárias que vai do século XVI à metade do século XVIII. 2º: a era da configuração do sistema literário que tem início na primeira metade do século XVIII à segunda metade do XIX. 3º: a era do sistema literário consolidado, da segunda metade do século XIX até nossos dias.

Barroco
Os ciclos de ocupação da terra sucederam-se em consonância com as possibilidades demográficas e os interesses econômicos. Do litoral para o interior foram se definindo manchas de povoamento que originaram ilhas culturais. Estas, segundo Viana Moog, foram sementes da literatura regionalista que se faz presente ao longo de toda a história literária do país.

Nesta primeira fase é sensível a presença da Europa: ibéria, no barroco; Itália, no arcadismo; francesa, no iluminismo (ver Século das Luzes). Define-se, ainda, a mediação da metrópole na transposição de valores estéticos do arcadismo e iluminismo. As manifestações literárias dos três primeiros séculos brasileiros respondem, antes de mais nada, ao problema da expansão ultramarina. A Carta de Pero Vaz de Caminha, oficializando para Portugal a posse das terras brasileiras, e o Diário de Navegação de Pero Lopes e Martim Afonso de Souza (1530) podem ser incluídos na Literatura de Viagens, gênero definido ao longo do século XV, em Portugal.

O processo expansionista desdobra-se na colonização. Vencido o mar, começa a preocupação com a terra desconhecida que significava um desafio pois, aparentemente, era indomesticável. Logo surgiram propostas para a possível resistência, agressividade e inconquistabilidade do índio. Esta preocupação manifesta-se na necessidade de registrar informações, organizar elencos e catálogos. Por estes motivos são importantes os Textos de Informação, entre os quais se inserem Tratado da terra do Brasil (1570) e História da província de Santa Cruz (1576), de Pero de Magalhães Gandavo; Narrativa epistolar e o tratado da terra e gente do Brasil (1587), de Gabriel Soares; Diálogo das grandezas do Brasil (1618), de Ambrósio Fernandes Brandão; Diálogo sobre a conversão do gentio, do padre Manuel da Nóbrega; História do Brasil (1627), de frei Vicente de Salvador e os três primeiros séculos das Cartas jesuíticas.

Estes textos descrevem a terra, os costumes silvícolas e revelam a expectativa do colonizador em encontrar ouro e prata. Já os textos jesuíticos, mesmo os literários, de poesia ou teatro, têm como pano de fundo a preocupação missionária, alimentada pelo clima proporcionado pelas resoluções do Concílio de Trento. Esta realidade é facilmente identificada na obra do padre, poeta e dramaturgo José de Anchieta (1534-1597), autor de autos pastorís, entre eles, o Auto representativo da festa de São Lourenço (1583), e de poemas em metros breves, de tradição medieval espanhola e portuguesa, entre os quais se destacam Santíssimo Sacramento e A Santa Inês.

O teatro liga-se aos vilancicos ibéricos, centrando-se no antagonismo entre anjos e demônios, bem e mal, vício e virtude. Nos poemas épicos, Anchieta mostra a influência de Virgílio. O polilingüismo de muitas poesias e autos expressa uma atitude adaptativa ao meio. A palavra escrita ajustava-se à nova realidade, tentando inculcar valores portugueses e cristãos na população autóctone e mestiça que começava a se constituir. Estes primeiros escritos, feitos no Brasil e sobre o Brasil, de acordo com critérios estéticos vigentes no ocidente, desvendam relações com estilos de vida e arte. São importantes por conterem uma literatura de imaginação, possível raíz do mito ufanista que se projeta através do tempo até a contemporaneidade.

Esteticamente, as criações literárias dos três primeiros séculos são barrocas, neoclássicas e arcádicas. A organização da prosa identifica-se com o barroco no processo de identificação ilusória e sensorial, expresso nos jogos de palavras, trocadilhos e enigmas. Conceitualismo e cultismo, na melhor tradição cultural ibérica, misturam o mitológico ao descritivo, a alegoria ao realismo, o patético ao satírico, o idílico ao dramático. A literatura brasileira nasceu com o barroco, pelas mãos jesuíticas. Neste trabalho merecem destaque o padre Antônio Vieira, Bento Teixeira, Gregório de Matos, Manuel Botelho de Oliveira, secundados por frei Manuel de Santa Maria Itaparica, padre Simão de Vasconcelos, frei Manuel Calado, Francisco de Brito Freire. Quando não integrantes da Companhia de Jesus, muitos destes autores foram educados pelos jesuítas, nos colégios ao lado das igrejas, em aulas de letras e humanidades, focos de transmissão da cultura metropolitana. Nelas, escoava-se a tradição portuguesa da retórica, base da formação intelectual e literária, preocupada em ensinar a falar e escrever com persuasão e beleza. Projetava-se, também, a postura intelectual da imitação de modelos, realizada nos escritos destes primeiros autores, em variados graus que vão da inspiração à glosa e tradução.

Nesta primeira fase, a literatura brasileira segue o ritmo lusitano do tempo. A obra do jesuíta, catequista e orador sacro Antônio Vieira (1608-1697) sincretiza marcas européias, portuguesas e brasileiras. Os 15 volumes de Sermões são de particular interesse para nossa literatura, principalmente o Sermão da primeiro domingo da Quaresma (1653) que versava sobre a extinção do escravismo índio e o Sermão XIV do rosário (1633), sobre os escravos negros. Na História do futuro, Antônio Vieira escreve um tratado sobre o profetismo onde defende a mística do 5º Império do Mundo, que seria português, com sede no Brasil. Beirando a heterodoxia, este texto obrigou seu autor a explicar-se ante o Tribunal do Santo Ofício. Maior orador sacro do Brasil, o padre Antônio Vieira era um barroco. Sua oratória é prolixa, cheia de alegorias nas quais revela a argúcia de seu raciocínio.

Bento Teixeira (1561-1600), cristão-novo português, nascido no Porto e morador em Pernambuco, escreveu a Prosopopéia, exaltando o terceiro donatário da Capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho. Obra barroca, calcada em Os Lusíadas, exalta o herói estóico cristão, realcando valores como o heroísmo, a estirpe, o poder, a glória, a honra, a riqueza, o saber e as virtudes. Inspira-se na terra e tem um caráter eminentemente social e individual. Criação diretamente estruturada pela realidade, permite a realização, num plano imaginário, de uma coerência jamais atingida pelo autor, cripto-judeu, no plano real.

Gregório de Matos (1838-1696), natural da Bahia, cria uma poética composta de poemas líricos, religiosos e satíricos, nos quais retrata o Brasil com pessimismo realista, mesclado de obscenidades. Pela temática e técnica estilística, é a mais forte expressão individual do barroco na colônia. Manifestação da mestiçagem cultural, Gregório de Matos coloca em seus escritos antíteses, equívocos e jogos de palavras, transpostos dos modelos de Góngora e Quevedo. Sua obra é marcada pelos dualismos: religiosidade e sensualismo, misticismo e erotismo, valores terrenos e aspirações espirituais.

Manoel Botelho de Oliveira (1838-1711) publicou Musica do Parnaso (1705), dividido em quatro coros de rimas portuguesas, castelhanas, italianas e latinas, com seu descante cômico reduzido em duas comédias: Hay amigo para amigos e Amor, Engaños y Celos. Poeta-literato, segue os modelos de Marino Góngora e, em seu processo estilístico, destacam-se a analogia e a acentuação dos contrastes.

Frei Manoel de Santa Maria Itaparica, nascido na Bahia em 1704, escreveu uma epopéia sacra, Eustáquidos (1769), imitação dos épicos, e um poema, Descrição da cidade da Ilha de Itaparica. Simão de Vasconcelos produziu uma obra de edificação religiosa em que se distingue a Vida do venerável padre José de Anchieta (1672).

Frei Manuel Calado inspira-se na defesa da terra contra invasores estrangeiros para criar Valeroso Lucideno (1648). De autoria de Francisco Brito Freire é A Nova Lusitânia (1675). Nesta primeira fase não se deve estranhar o teor das manifestações literárias. Primeiro, pela fragilidade da vida intelectual na colônia, fato compreensível uma vez que a colonização foi um fenômeno burguês, com caráter empresarial, visando a produção e o lucro no comércio do açúcar. Não havia público para a produção literária, nem interesse nela, em um meio acrítico e desinteressado da vida cultural. No entanto, não houve deseuropeização: as estruturas do mundo que se erigia eram genuinamente portuguesas, embora passíveis de adoçamentos. As manifestações literárias foram, pois, desdobramentos da literatura portuguesa que, por sua vez, ainda não tinha desenvolvido, perfeitamente, os gêneros literários. Salvo raras exceções, a literatura barroca produzida na colônia acabou sendo de qualidade inferior. A própria obra de Anchieta, a mais alta expressão do barroco no seu tempo, não teve valor estético de primeira grandeza.

Neoclassicismo e Romantismo
Abrange as transformações do barroco, as tentativas de renovação arcádica e neoclássica e o romantismo. O início do século XVIII deixa entrever o declínio do barroco e as aberturas para o iluminismo, este ligado às transformações estéticas das Academias. No Brasil é coetâneo ao deslocamento do eixo político da Bahia para o Rio de Janeiro (1760) e a descoberta do ouro em Minas Gerais. Não é estranho que, nestas áreas, tenha surgido um movimento cultural ligado à crise do colonialismo e às aspirações de independência política. José de Santa Rita Durão (1722-1784) escreveu o poema épico Caramuru (1781) onde faz um balanço da colonização em meio a uma descrição hiperbólica da natureza. Neste poema são retratados os costumes dos índios, exaltadas a fé e a defesa da terra contra os invasores. José Basílio da Gama (1741-1795), com mentalidade iluminista e anti-jesuítica, escreveu o poema Uruguai (1769) em que descreve o choque da cultura branca com a indígena e, liricamente, adota uma atitude complacente com os selvagens.

Com o arcadismo, corrente de origem italiana, instalou-se a forma neoclássica que busca na natureza sua maior constante, identificando-a com a pureza e a bondade. No Brasil, este movimento nasce com os poetas da Escola mineira, Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Silva Alvarenga. Seu início é marcado pelas Obras poéticas (1768) de Cláudio Manoel da Costa (1729-1789). Em seus sonetos, églogas e no poema épico Vila Rica (1773), Cláudio Manuel da Costa deixa entrever influências de Petrarca e Camões, além de marcas de sua terra natal. Recorre ao procedimento temático da metamorfose, traduzindo a realidade brasileira em termos de tradição clássica. Incorporando o individualismo e o sentimento da natureza, o arcadismo mineiro inicia o lirismo pessoal.

Nesta linha, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) escreveu uma coleção de poemas de amor dedicados à Marília que contêm reflexões sobre o destino, externando uma visão horaciana do mundo. Autor também de Cartas chilenas (1789), poema satírico contra a sociedade e o governador de Minas.

Silva Alvarenga (1749-1814) escreveu o poema heróico-cômico O desertor (1774), apoiando as reformas pombalinas da instrução. Em Glaura (1799), abriga uma série de madrigais e pequenos poemas. Souza Caldas (1762-1814), um liberal influenciado por Rousseau, deixou o poema didático As aves, uma epístola em verso e prosa onde se rebelava contra os modelos greco-latinos, além de um livro de cartas que reponta as idéias de emancipação.

Com a fuga da família real portuguesa, em 1808, e o estabelecimento da corte no Rio de Janeiro, houve sucessivos progressos na vida intelectual, facilmente identificável na criação da imprensa e publicação de periódicos. Após a independência (1822) despontam a prosa patriótica, o ensaio político, o sermão nacionalista que se, literariamente, não foram significativos, foram-no para a definição da consciência nacional. Neste momento, o dado mais importante é a definição de que existe, ou deveria existir, uma literatura portuguesa e outra, brasileira.

Literariamente, este momento coincide com o romantismo, ruptura estilística com o arcadismo. Neste predominaram as influências literárias européias às quais foram incorporadas as produções da colônia. No romantismo prevalece a dimensão localista, associada ao esforço de ser diferente, uma veia aberta às reivindicações de autonomia nacional. Também caracterizam o espírito romântico, o individualismo, o subjetivismo, o ilogismo, o senso de mistério, o escapismo, o reformismo, o sonho, a fé, o culto à natureza, o retorno ao passado, o pitoresco, o exagero (Hibbard). Há, ainda, traços formais e estruturais: ausência de regras e formas prescritas, preferência pela metáfora. O romantismo, configurado nas três primeiras décadas do século XIX, plenamente instalado na segunda metade do mesmo século, processou-se através de ondas sucessivas, definindo uma estética e um estilo composto de elementos formais e espirituais. A nova estética abrange a poesia, a ficção e o drama, além de teorias críticas e literárias. Objetivava a criação do caráter nacional da literatura.

O nacionalismo romântico expressou-se no indianismo. O índio transmutou-se em símbolo nacional. Gonçalves de Magalhães, Visconde de Araguaia, (1811-1822), escreveu a Confederação dos Tamoios (1856); Gonçalves Dias (1823-1864), em seu poema I-Iuca Pirama, narra a história de um índio sacrificado por uma tribo inimiga. Primeiros cantos (1846) foi referência para a poesia nacional do período. No romance, a valorização do índio foi feita por José de Alencar (1829-1877) no Guaraní (1857) e em Iracema (1863), trabalhos cuja popularidade chegou aos dias atuais. O indianismo transfigura não mais a terra, mas o “homem natural”, antes apenas objeto da descrição ou da sátira, dando ao brasileiro a ilusão de gloriosos antepassados. O indianismo mascara a origem africana, considerada menos digna (Roger Bastide).

Ainda no Romantismo surge a restauração do mito da infância e do retorno à inocência que encontra nos poemas Idéias íntimas de Álvares de Azevedo (1831-1851). Estados mórbidos de dúvidas evolam de Junqueira Freire e Casimiro de Abreu. Castro Alves (1847-1871) é autor de Espumas flutuantes (1867) e A cachoeira de Paulo Afonso (1876), poesia social e humanitária que teve peso nas campanhas pela abolição da escravidão negra. O movimento abolicionista inspiraram, ainda, A escrava Isaura (1875), de Bernardo Guimarães e As vítimas algozes (1869) de Joaquim Manuel de Macedo. Joaquim Nabuco (1849-1910) deixou O Abolicionismo (1883), ensaio político de relevo.

Fagundes Varela (1841-1875) foi considerado o último poeta romântico. Escreveu um poema sobre a catequese, Anchieta ou o evangelho das selvas (1875), além de versos decassilábicos rimados em Cantos e fantasias (1865). Neles opõe campo à cidade, demonstra solidariedade com os escravos e dilata seu patriotismo por todo o continente americano.

Em meados do século aparecem o romance e a comédia de Martins Pena (1815-1848), considerado o maior comediógrafo brasileiro. No romance, José de Alencar impôs-se com obra extensa e desigual, mas que o coloca como expoente da consciência literária brasileira. De sua autoria destacam-se Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d’Ouro (1872), Senhora (1873), livros que inovam ao analisar os personagens em confronto com as condições sociais e descrevendo situações simbólicas com linguagem adequada.

Também em meados do século, o romance passa a descrever lugares e modos de vida. Em A Moreninha (1844), Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) narra amores convencionais da classe média. Em seus vinte romances, peças de teatro e poemas surge, pela primeira vez no Brasil, a figura profissional do escritor. Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) escreveu Memórias de um sargento de milícias (1854), exemplo de simplicidade realista com que descreve a vida da pequena burguesia.

A invasão da poesia pela música leva às modinhas, poesia musicada, inspirada nas áreas de ópera. Com elas, a poesia penetra mais e diminui a distância entre cultos e incultos. Figuras representativas do último grupo dos românticos foram Franklin Távora, Bernardo Guimarães e Alfredo d’Escragnolle Taunay. Franklin Távora (1842-1888), teórico e romancista, escreveu sobre Pernambuco do século XVIII, adotando restrições à tendência da literatura de se relacionar com a cultura européia. Estabelece-se o conflito entre a tendência de vinculação à Europa e aquela que busca estabelecer uma tradição local, extremos entre os quais se debateria a consciência literária. Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899) compõe Inocência (1872) com cenário e costumes sertanejos, além de diálogos naturais pelo tom e vocabulário. Taunay voltou-se, depois, para o romance urbano, onde se destaca O declínio (1899) que trata do descompasso entre a paixão e o envelhecimento.

Em torno dos trabalhos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, e das revistas Minerva Brasiliense (1843-1845) e Guanabara (1851-1855) forma-se uma teoria nacionalista da literatura e se organiza o estudo sistemático da produção literária.

Nos anos 70 do século XIX, o país conheceu grande desenvolvimento e o progresso se fez sentir nas cidades maiores. A imprensa se desenvolveu e novas revistas surgiram, como a Revista Brasileira (2ª fase, 1878-1881). A erudição e a pesquisa documental aparecem na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1839) e nos Anais da Biblioteca Nacional (1878). Na mesma época tem início um movimento de idéias filosóficas e literárias, inspirado no positivismo de Comte e no evolucionismo de Spencer, que se estendeu até o início do século XX. Este movimento ressoou na literatura, principalmente em Pernambuco, Ceará e Rio de Janeiro.

Há um retorno crítico contra o idealismo romântico, a cosmovisão religiosa e a legitimidade das oligarquias, com o apoio no cientificismo e no relativismo. Surge o naturalismo. Os gêneros literários tinham ganho autonomia e consistência quanto aos temas e estrutura. O sistema de idéias e normas estéticas, implantado na década de 1870, constituiu o complexo estilístico do realismo, naturalismo e parnasianismo. Estava configurado o sistema literário no Brasil. A literatura já era, então, a atividade regular dos intelectuais, há veículos de difusão da produção escrita e a tradição local é ponto de referência.

Realismo e Modernismo
Depois de 1870 há sensíveis modificações na posição mental dos intelectuais do Brasil que oscilavam entre o abolicionismo e a república, ou juntavam as duas motivações, unidas pela noção de liberdade e democracia. A passagem do estilo romântico para o realista é dada pela poesia científica e libertária de Silvio Romero, Fontoura Xavier e Valentim Magalhães. Instalava-se o realismo com sua vertente naturalista, tentando corrigir a espiritualização excessiva. O realismo procura a verdade retratando, fielmente, os personagens e a vida que interpreta objetivamente, analisando-a em todos os detalhes. Busca expressar-se numa linguagem simples, natural, próxima da realidade.

O realismo envereda pelo naturalismo no romance e no conto. O fatalismo pessimista emerge como pano de fundo da prosa de Aluízio de Azevedo (1857-1913), tanto em Mulato (1881), um estudo sobre o preconceito racial, como em Casa de pensão (1884) que versa sobre a conduta e a morte de um estudante. Em O cortiço (1890), Aluízio de Azevedo revela influência de Èmile Zola na inclusão do simbolismo significativo. O cortiço seria o Brasil, dependente e explorado pelas nações desenvolvidas.

Nesta fase a grande figura é Machado de Assis (1839-1908), jornalista, romancista, comediógrafo e primeiro escritor com noção exata do processo literário brasileiro. Como ficcionista escreveu uma centena de contos, entre os quais Papéis avulsos (1882), Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896). Entre os romances de sua autoria estão Memórias póstumas de Braz Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904), Memorial de Aires (1908). Machado de Assis afasta-se dos modismos literários, transforma emoções em ambigüidades, demonstra interesse pela realidade social e se transforma no mais importante escritor brasileiro.

Raul Pompéia (1863-1895), em O ateneu (1888), guarda estreitas relações com experiências próprias ao descrever a vida colegial. Ataca o processo educativo por sua formalidade, considera-o uma expressão carcomida das instituições do império, entre as quais a escola seria um microcosmo.

O naturalismo voltou-se para o regional. Em Fortaleza, Ceará, surgem vários grêmios políticos e literários e alguns romances como Luzia-Homem (1903), de Domingos Olímpio Braga Cavalcanti (1850-1906), perfil da mulher excelente no pecado e na virtude.

Entre o crepúsculo do naturalismo e a Semana de Arte Moderna de 1922 instala-se a figura de Coelho Neto (1864-1934). No seu primeiro romance, A Capital Federal (1893), Coelho Neto fez uma crônica romanceada da vida carioca. Miragem (1895) tem narrativas sobre a vida doméstica onde, com realismo, retratam-se imagens burguesas. Em Inverno em flor (1897), a hereditariedade doentia gera a loucura e um amor incestuoso. Tormenta (1901) retoma a abordagem de patologias com o tema da morte e dos ciúmes.

Valdomiro Silveira (1873-1941) inicia a prosa regional patética em Os caboclos (1920), Nas serras e nas furnas (1931), Mixuango (1937), Leréias. Histórias contadas por eles mesmos (1945).

Monteiro Lobato (1882-1948) militou a favor do progresso. Urupês (1918), Cidades mortas (1919), Negrinha (1920) dão início à sua obra narrativa crítica em relação às oligarquias e à primeira República. Sua obra é permeada por costumes do interior e sátiras expressas em palavras pitorescas. O realismo – incorporando à literatura aspectos regionais, profissionais e populares -, concorreu para o desenvolvimento de um estilo e para a nacionalização da língua.

Simultaneamente, a poesia expressa-se no parnasianismo. O primeiro livro foi o de Teófilo Dias, Fanfarra (1882). Seguiram-no Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac, e depois os neoparnasianos Martins Fontes e Amadeu Amaral. Caracterizam-se pela atenuação do sentimentalismo, desinteresse pela política, pedantismo gramatical e rebuscamento da linguagem. Os parnasianos resgatam o soneto, apegam-se ao rigor gramatical e ao casticismo vernacular, inspirado nos clássicos. De sua temática emergem descrições de salas de mármores, vasos de porcelana, metais preciosos, um quadro, uma cena, um retrato, corpos femininos.

Alberto de Oliveira (1857-1937) publica Canções românticas meridionais (1884), Sonetos e poemas (1885), Versos e rimas (1895). Olavo Bilac (1865-1918) recorre a motivos diversos: o índio, a guerra e a temática greco-romana em Poesias (1888), Crítica e fantasia (1906), Poesias infantis (1904). Raimundo Correa (1859-1911) estreou com uma coleção de versos intitulada Os primeiros sonhos (1879), vindo depois Sinfonia (1883), Versos e versões (1887), Aleluias (1891) e Poesias (1898).

Depois de 1890, o realismo naturalista começa a ser questionado pela introspecção do simbolismo, iniciado, no Brasil, por um grupo de escritores do Rio de Janeiro que se autodenominava “decadentistas”. Este grupo recorria ao hieratismo gramatical com truncamentos de sintaxe, em busca de efeitos lingüísticos. Alinham-se, entre os “decadentistas”, Cruz e Souza, B. Lopes e Oscar Rosas. Em Fortaleza, Ceará, autores se reúnem e fundam a “Padaria espiritual” (1892), passando a cultivar excentricidades. No simbolismo pode-se, ainda, inserir Aphonsus Guimarães (1870-1921), autor cristão que expressa a fé católica em poemas devotos e litúrgicos como Septenário das dores de Nossa Senhora (1899), Dona Mística (1899), Kyriale (1902), Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923).

Depois de 1870, a consciência literária e crítica emerge, na História, com Capistrano de Abreu, Sílvio Romero na teoria da cultura e folclore, Araripe Jr. e José Veríssimo na crítica, Pedro Lessa no Direito, Miguel Lemos e Teixeira de Freitas nas idéias, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa na política. Capistrano de Abreu (1853-1927) esboçou, sob influência de Taine, uma teoria da literatura nacional a partir de uma consideração de fatores que envolvia o clima, o solo e a mestiçagem, em sua opinião, os definidores do caráter do povo. Além de sua obra histórica, editou e comentou textos coloniais como a História do Brasil de frei Vicente de Salvador, os documentos da Visitação do Santo Ofício à Bahia e Pernambuco.

Silvio Romero (1851-1914) defende a ligação da literatura e demais artes com os fatores naturais e sociais. Publica Literatura Brasileira e a Crítica Moderna (1880) e História da Literatura Brasileira (1881). Demonstra o sentido do progresso da humanidade em O evolucionismo e o positivismo na república do Brasil (1894). Dá início à crítica sociológica propondo a abordagem da obra literária em função das realidades antropológicas e sociais.

José Veríssimo (1857-1916), preocupado com a gramática, produziu a obra crítica Estudos de literatura brasileira (6 séries, 1901-1907). A história da literatura brasileira (1916) é norteada pelas qualidades estéticas e significado histórico. A poesia parnasiana e simbolista e a literatura realista naturalista dominaram o gosto do país e foram fatores de resistência às mudanças estéticas. À esta situação, reagiu o modernismo.

O modernismo foi um movimento cultural que reviu o Brasil. Resultou de modelos importados da Europa (vanguardas francesa e italiana) aos quais foram associadas tendências nacionais. A obra inicial do modernismo foi Paulicéia desvairada (1922), de Mário de Andrade, que tem como personagem a cidade de São Paulo em ritmo de desenvolvimento. O outro centro do movimento foi o Rio de Janeiro.

A Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, precedida dos trabalhos de Menotti del Picchia e Oswald de Andrade que prepararam os espíritos para uma renovação literária aconteceu em São Paulo. Alguns autores de vanguarda uniram-se para combater o que consideravam “passadismo”. A idéia inicial foi do pintor Di Cavalcanti que sugeriu a Paulo Prado organizar uma semana de escândalos em São Paulo. Esta “semana” — despida de qualquer conteúdo político, social ou popular — foi uma reunião de intelectuais. O modernismo teve linhas diversas, mas foi um importante fator de transformações e referencial da atividade artística e literária brasileira. Defendeu, basicamente, a liberdade da criação e experimentação. Investiu contra a estética acadêmica, valorizou os temas do cotidiano, pregou o uso da língua respeitando as diferenças geográficas do país.

Em São Paulo, surgiu o grupo Verde-amarelo, patriótico e sentimental, procurando se embasar no indianismo. A figura central deste movimento foi Mário de Andrade, (1893-1945), poeta, narrador, ensaísta, musicólogo, folclorista e líder cultural. Escreveu A Escrava que não é Isaura (1925), plataforma da nova poética, Amar, verbo intransitivo (1927) e um romance inovador, Macunaíma (1928), considerada sua obra prima.

Oswald de Andrade (1890-1954) escreveu Os condenados (1922) e Estrela do absinto (1927), prosa fragmentária, cheia de elementos contraditórios. Sua contribuição cresce nos romances Memórias sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933) e nos poemas Pau Brasil (1925) e Primeiro caderno de poesia (1927). Interpreta a cultura brasileira como um processo de assimilação e recriação das idéias européias que resume no Manifesto antropofágico (1928) (ver Antropofagia cultural). Depois de 1930, aderindo ao comunismo, escreveu peças de teatro como O homem e o cavalo (1934). Mario e Oswald de Andrade lideram a ala inovadora do modernismo em São Paulo. No Rio de Janeiro a chefia do movimento foi de Graça Aranha (1868-1931) com seu romance Canaan (1902).

Importante, ainda, é citar o grupo da revista Festa (1928) onde aparece Cecília Meireles (1901-1964), e da revista Estética (1924-1925), dirigida por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Prudente de Morais Neto (1905-1927). Aos modernistas de São Paulo, ligou-se um dos maiores poetas brasileiros: Manuel Bandeira. A parte mais importante de sua poesia está reunida em Libertinagem (1930).

A partir dos núcleos de São Paulo e Rio de Janeiro, a renovação literária se expandiu pelo Brasil através de manifestos, grupos e intercâmbio, frutificando, principalmente, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Os anos de 1930 e 1940 aceitaram, plenamente, o modernismo ao lado do qual floresceu o regionalismo crítico do Nordeste.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) aderiu ao movimento modernista com seus livros Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934) onde procura desenvolver uma poesia não-poética. Nos livros seguintes funde componentes tradicionais (o passado da família) a componentes utópicos (desejos de redenção social). Nesta fase surgem Sentimento do mundo (1940), José (1942) e Rosa do povo (1949).

Murilo Mendes (1901-1975) inicia sua produção com poesia humorística, sofre influências do surrealismo refletida na obra O anjo (1934), e desagua no mistério e na transcendência após sua conversão ao catolicismo refletida em A invenção de Orfeu (1952).

Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) é um neo-romântico que reage ao modernismo restaurando o mistério no tratamento de temas como o amor e a morte. Vinicius de Morais (1913-1980) inicia sua obra com um poema transcendente para se tornar, depois, um cantor da paixão e da simplicidade do cotidiano. A obra de Drummond e de Murilo enquadra-se na opção ideológica de volta ao cristianismo que marcou a cultura sob a liderança de Alceu Amoroso Lima, prolongando-se pela Ação Católica e pelo Integralismo.

No integralismo, a figura-central é Plínio Salgado (1895-1975), membro do grupo Verde-amarelo. Otávio de Faria (1908-1980) escreveu 13 volumes de romances visando temas como a adolescência face ao pecado e o comportamento entre a vocação e as convenções. Entre eles, merece destaque Tragédia burguesa.

Maior impacto teve o romance nordestino regionalista. Nele o homem pobre do campo e da cidade é focado na plenitude de sua condição humana. Graciliano Ramos (1892-1953) é o autor mais representativo com o romance Vidas Secas (1938) que narra a vida de uma família de retirantes. São Bernardo (1934) conta a história de um trabalhador rural que se torna proprietário e transpõe suas atitudes violentas para a vida afetiva. Angústia (1936) centra-se no drama do desajuste de um homem medíocre que se compensa com o crime. Graciliano Ramos, que sob a ótica regional tratava de problemas universais, não fez concessões à qualidade da escrita: é moderno pelo tratamento dispensado à tradição.

Tendências Contemporâneas
O experimentalismo estético da Semana de 22 gera uma ideologia com a qual foram reexaminados os problemas da cultura, como qualidade e tradição. O interesse pela vida contemporânea norteou Josué de Castro, Caio Prado Júnior, Jorge Amado e Jorge de Lima. O Estado Novo (1937-1945) e a Segunda Guerra Mundial aguçaram as tensões no plano das idéias e novas configurações históricas geraram novas experiências nas artes, principalmente na literatura. A produção dos autores da primeira metade do nosso século deixa transparecer angústias e projetos inéditos nos trabalhos de poetas, narradores e ensaistas. Na poesia, a geração de 45 isolou os cuidados métricos, procurando se contrapor à literatura de 22, menosprezando as conquistas do modernismo.

No panorama da nova poesia brasileira, Fernando Ferreira de Loanda insiste na afirmação da diferença e na busca de novos caminhos. É a posição de Alphonsus Guimarães Filho, Péricles Eugenio da Silva Ramos, João Cabral de Melo Neto, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Lêdo Ivo, entre outros. Todos defendem um gênero intimista onde imagens são correlatas ao sentimento que os símbolos ocultam e sugerem. Submetem-se às exigências técnicas e formalizantes. Depois de 1950, a obsessão pelo desenvolvimento domina a literatura. O nacionalismo desloca-se da direita para as ideologias de esquerda. Renova-se o gosto pelo regional na obra de Ariano Suassuna, Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal e Dias Gomes. Na ficção, destaca-se João Guimarães Rosa em cuja obra o natural, o infantil e o místico são recuperados nas fontes da linguagem iletrada.

Ainda na ficção, o realismo cientificista do século XIX é substituído pela visão crítica das relações sociais, principalmente em Érico Veríssimo e José Américo de Almeida. No romance psicológico caminha-se pela introspecção da psicanálise. Socialismo, freudismo, catolicismo são usados para a compreensão do homem social. Na poesia, o concretismo – ou poesia concreta – impôs-se depois de 1956 como expressão da vanguarda estética. O grupo inicial é o da Antologia Noigrandes. Nomes de proa são os de Haroldo de Campos, Auto do possesso (1950), Augusto de Campos, O rei menos o reino (1951) e Décio Pignatari, O carnaval (1950). O grupo abandona o verso e busca uma linha de sintaxe espacial. O ponto de partida da estética é a estrutura verbo-visual. Inova no campo semântico (ideogramas), sintático (redistribuição de elementos do discurso), léxico (neologismos, estrangeirismos, tecnicismos), morfológico (desintegração dos sintagmas nos seus fonemas), fonético (aliterações, assonâncias), topográfico (abolição do verso, uso construtivo de espaços em branco).

São desdobramentos da vanguarda concretista os trabalhos de autores mineiros reunidos nas revistas Tendências (1957), Ptyx (1963) e Vereda (1964), publicadas em Belo Horizonte. Hoje, o poema é marcado pela objetividade, isto é, pela procura de imagens que tornem o texto instrumento de crítica da realidade social, além da procura de códigos que o insiram na comunicação de massas. Poesia participante e poemas tecnicistas estão em Ferreira Gullar com A luta corporal (1954), Dentro da noite veloz (1975) e Antologia poética (1976) e na obra de João Cabral de Melo Neto, entre elas a Pedra do sono (1942) e Educação pela pedra (1960).

Caminha, Pero Vaz de (c. 1450-1500), escrivão da expedição comandada por Pedro Álvares Cabral que descobriu o Brasil, em 22 de abril de 1500. Nascido, provavelmente, no norte de Portugal, faleceu na Índia, num conflito com muçulmanos.

Como seu pai o fizera, destacou-se como importante cidadão da cidade do Porto. Pertencente à classe dos letrados, muito próxima aos reis, foi cavaleiro de Afonso V, João II e Manuel I.

Sua importância para a história do Brasil e dos descobrimentos portugueses reside na Carta ao Rei D. Manuel o Venturoso escrita, em dias sucessivos, após a chegada da expedição de Cabral à Bahia, na qual narra o desenrolar dos acontecimentos.

No documento foi relatada a viagem, a descoberta da terra, os contatos com os indígenas, as características exuberantes da paisagem, as duas missas rezadas pelo franciscano frei Henrique Soares de Coimbra e a posse da nova terra em nome do rei de Portugal.

A descrição é rica, mais preocupada com os habitantes do que com a natureza. Revela interesse pela catequese dos indígenas e com a possibilidade de existência de ouro no interior.

Quanto aos indígenas, há certa ambigüidade, pois, embora a primeira parte do texto, relativa aos primeiros dias na terra, faça referências à beleza e inocência de homens e mulheres, sublinhando sua humanidade, na segunda parte eles aparecem como “seres bestiais”.

De qualquer modo, apesar da visão etnocêntrica a permear o texto, o autor faz, sem dúvida, uma imagem paradisíaca do homem primitivo.

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